Quem acompanha meu trabalho sabe quantos textos já escrevi
sobre a irrelevância do Oscar como parâmetro de qualidade. É um show televisivo
fracamente roteirizado que vive de lobby e precisa de bons índices de
audiência. O cinema não é uma corrida de cavalos, o jogo movimenta a indústria,
mas diz muito pouco sobre a arte.
Com relação à escolha nacional da comissão para concorrer à
vaga na premiação, “Pequeno Segredo”, do diretor David Schurmann, não
posso opinar sobre seus méritos, conheço apenas o livro original, a história é
linda, espero que tenha sido adaptada com esmero. A decisão causou rebuliço nas
redes sociais, com direito a muita agressividade nos comentários da página
oficial da produção. Algo me diz que os defensores de “Aquarius”
estariam se revoltando publicamente com a mesma intensidade caso o escolhido
fosse qualquer um dos outros 15 trabalhos inscritos. Qualquer obra escolhida
validaria o discurso equivocado de “golpe”. Não considero uma postura
elegante, por mais que o debate seja sempre louvável, acho grosseiro diminuir o
esforço da equipe do filme selecionado e desrespeitar o critério utilizado
pelos profissionais que fazem parte da comissão. Na mente dos defensores,
somente os diretores que retiraram os filmes são corretos. Analisando de forma
lógica, o mais correto, seguindo essa linha de raciocínio torta, seria o
próprio “Aquarius” ter se retirado da competição, já que mostraria
que não compactuam com o que eles consideram que seja um “golpe” da
comissão. Não, eles ficaram e elogiaram os concorrentes que saíram. Isso não
faz sentido algum. Caso a esquerda fosse minimamente coerente, não estaria se
importando com qualquer notícia relacionada ao que os seus militantes chamariam
de “festa autocelebratória do capitalismo”, mas não se deve pedir
coerência à fanáticos praticantes da dissonância cognitiva.
Ainda não escrevi sobre “Aquarius”, farei em
breve, mas já posso adiantar que encontrei pontos positivos valiosos,
especialmente a atuação irretocável de Sônia Braga, mas também muitos pontos
negativos no roteiro, o esqueleto de um filme. O fato é que, retirando da
equação a passionalidade dos defensores, eu achei o todo inferior a “O Som
ao Redor”, trabalho anterior do diretor Kleber Mendonça Filho, que era
menos pretensioso e funcionava melhor. Ainda que a defesa apaixonada esteja
afirmando que é uma “obra-prima”, “o melhor filme nacional de
todos os tempos”, já li até comparações absurdas com o fantástico
“Terra em Transe”, de Glauber Rocha, eu tenho certeza que o tempo irá
abraçar o projeto com o manto da lucidez. É um bom filme, mas está longe de ser
merecedor de toda essa atenção.
Da mesma forma que me posicionei contrário ao boicote que
muitos organizaram contra “Aquarius”, por ter a convicção de que o filme
não poderia ser prejudicado pela opinião política de sua equipe, não posso
deixar de afirmar meu repúdio à atitude deselegante dos que estão desmerecendo
o esforço de todos os envolvidos na obra selecionada pela comissão.