O Oitavo Dia (Le Huitième Jour – 1996)
Harry (Daniel Auteuil) é um empresário estressado, que trabalha no departamento comercial de um banco belga e foi abandonado por sua esposa e filhas há pouco tempo. Deprimido, ele se dedica ao trabalho durante os 7 dias da semana. Até que um dia ele decide vagar pelas estradas da França, sem rumo definido. Ele conhece Georges (Pascal Duquenne), que sofre de síndrome de Down, e decide levá-lo para casa, mas não consegue se desvencilhar dele.
Sempre me emociono com o impacto da ternura do jovem com síndrome de Down, o belga Pascal Duquenne, sobre a dura casca de amargura do homem, impecável Daniel Auteuil, que percebe sua família cada vez mais distante, no belo momento em que o rapaz tenta bloquear as lágrimas do amigo ao construir um sorriso, com seus dedos, no rosto dele. O reencontro dos dois na chuva, a reafirmação da amizade, após uma tentativa cruel de desapego forçado. O trabalhador compulsivo que, por intermédio desta relação, aprende a ser um pai melhor para suas filhas.
A mãe falecida que, ao som de seu ídolo na música, aparece para carinhosamente confortar as angústias do jovem. E estas cenas, que poderiam pender facilmente para a pieguice exagerada, são engrandecidas pela forma sensível como o diretor Jaco Van Dormael escolhe se contentar com o minimalismo, com o protagonista tendo uma clara atitude emocionalmente independente, dispensando a compaixão dos outros.
A trama aborda o desejo do jovem, internado em um hospital especializado desde o falecimento da mãe, em voltar para casa. Ele é um fardo pesado demais para seus familiares, pessoas egoístas e que não querem encarar o reflexo visualmente diferente nesse espelho perturbador, como estudado pelo psicanalista francês Pierre Fédida, personagens que simbolizam a forma como grande parte da sociedade encara os deficientes, e, por conseguinte, o aparente desinteresse pela necessária inclusão social.
Esta rejeição que fala diretamente ao choque desorientador do diferente em contato com a imagem que representa a formação inicial do “eu” inconsciente, ou, nas palavras do psicanalista francês Jacques Lacan, esse “eu” ideal em que nos reconhecemos, na realidade, uma visão equivocada, que não corresponde ao corpo fragmentado que experimentamos.
A busca do rapaz, neste encantador road movie, pelo conceito de “voltar para casa”, reflete o exaurimento da esperança nesta sociedade narcisista. A pureza dele, ao final, sacrificada como expiação dos problemas do mundo.