O Invencível (Aparajito – 1956)
O Satyajit Ray de “O Invencível” é um cineasta mais seguro, utilizando a câmera de forma mais consciente no intuito de contar sua história, manipulando a emoção absorvendo um senso de ritmo e certas soluções visuais mais convencionais, visando uma compreensão universal, elemento análogo à trama do filme, ainda que o roteiro seja, essencialmente, representativo de sua cultura, com generoso espaço para a espiritualidade do povo indiano, na utilização do misticismo inerente às cenas em torno do sagrado rio Ganges. É o meu favorito da trilogia.
No início, encontramos a família de Apu inserida em um ambiente totalmente diferente da pequena vila da obra anterior. A mãe, perceptivelmente deslocada naquela realidade mais ambiciosa da cidade grande, projeta seus medos no filho, tentando fazer com que ele se mantenha um peixe pequeno em um aquário pequeno, objetivando seguir a tradição, o comodismo, inspirando ele a seguir uma vida de sacerdote. O garoto não é um peixe pequeno, ele deseja ser cidadão do mundo, aquele aquário é pequeno demais para seus sonhos. Ele quer frequentar a escola ocidental, mostrando seu deslumbramento com cada nova descoberta, o fascínio por trás de um eclipse solar, os fenômenos que são explicados sem misticismo pelos professores.
O progresso consequencial dos estudos confrontando a mesmice limitante das tradições. O falecimento do pai parece ser o gatilho que motiva a decisão do garoto. É linda a maneira como a cena é trabalhada, com o pai moribundo pedindo um gole da água do rio sagrado. Ao beber a água trazida por seu filho, um corte rápido, pombos voando pelo céu; o homem finalmente está livre. Ray então nos conduz pela mão até o emocionante terceiro ato, quando o jovem enfrenta outra perda, o último laço que o unia ao seu passado, a mãe.
A câmera desce ao encontro do rosto expressivo da mãe, que, de olhos fechados, descansa apoiada em uma árvore. Ela sofre com saudade do filho. Escutamos então o som de um trem se aproximando. A mulher não tem reação alguma, pois sabe que continuará sozinha. É apenas mais um trem que, por alguns minutos, perturba o silêncio do local, seguindo seu caminho em direção a uma modernidade que ela rejeita. Ela se levanta com dificuldade, o corpo não responde.
A trilha sonora opressiva, como o eco de um passado que se esvai no fundo do abismo de sua existência. Em sua alucinação, a mulher escuta o filho chamando por ela, o que faz nascer um sorriso em seu rosto. Ela vai, com dificuldade, na direção do chamado, descobrindo uma grande quantidade de vagalumes que voam, como que numa dança, um rito fúnebre, sobre o lago.