Infelizmente vivemos um péssimo período na Sétima Arte, com ídolos fabricados em barro, rostos bonitos facilmente substituíveis e pouquíssimo talento genuíno, mas houve uma época em Hollywood em que atores como Dustin Hoffman conseguiam alcançar a notoriedade merecida.
Ele não era um símbolo de beleza, longe disso, chegou a ter dificuldade em arrumar seus primeiros trabalhos na área. Começou atuando com o amigo Gene Hackman, que também estava dando seus primeiros passos. Os dois eram fãs de Marlon Brando e queriam ser como ele. Quando souberam que o ídolo gostava de tocar música em alguns clubes noturnos, começaram a treinar bateria no topo do edifício onde moravam.
Hoffman teve um início de carreira parecido com o de seu personagem na comédia “Tootsie”. Para sobreviver, enquanto não era aceito em variados testes de elenco, trabalhou em restaurantes, foi digitador das Páginas Amarelas e até mesmo provador de perfumes profissional para uma empresa do ramo. Durante muito tempo deu aulas de teatro informais em um colégio comunitário, fato que o diretor Sidney Pollack achou interessante incluir no roteiro da já citada comédia. Quando vemos o personagem dele ensinando aqueles jovens de maneira bem descontraída, podemos sentir o quão confortável ele se encontra naquela situação.
Após alguns comerciais de TV e participações em peças Off-Broadway, em meados da década de 60 ele foi coadjuvante em algumas séries, o que acabou levando-o a Hollywood, mas não foi um caminho fácil.
Na pérola “A Primeira Noite de um Homem” (The Graduate – 1967), o diretor Mike Nichols precisava escalar seu personagem principal, um jovem que havia saído da faculdade e acabava se relacionando com uma bela garota e a mãe dela. Ele pensou em Robert Redford, que visualmente parecia-se bastante com a descrição do livro original, mas logo viu que sua imagem não combinava com a de um perdedor nato. Após procurar por meses, acabou encontrando Dustin em um papel coadjuvante numa peça e viu nele os requisitos necessários para o personagem. Chamou-o para um café e se surpreendeu com a atitude defensiva do jovem.
Ele estava na realidade completamente apavorado. O jovem ator dizia: “isso não é para mim”. O diretor insistiu e ele concordou em gravar um teste. Hoffman estava nervoso e cansado, pois se apresentava oito vezes por semana em sua peça. Além de ter problema em memorizar rapidamente, sentia-se inadequado. Tudo piorou quando ele foi apresentado à Katharine Ross, que viveria sua namorada. O ator disse em uma entrevista anos mais tarde: “a ideia do diretor de me colocar namorando uma mulher tão linda como ela iria acabar virando uma grande piada para o público. Uma garota dessas nunca olharia para um cara como eu”.
Enquanto se preparava na cadeira do maquiador para gravar o teste de cena, escutava angustiado o diretor questionando o maquiador a respeito de seu nariz. Ele sempre se recorda dessa experiência como um longo pesadelo. Quando foi iniciada a gravação, houve uma sucessão de gafes. O jovem e inseguro ator errava repetidamente e saiu tendo a certeza que não tinha chance de ficar com o papel. Porém, no dia seguinte, ao encontrar-se com o diretor, surpreso ouviu que havia conseguido o trabalho. Nas palavras de Nichols: “Hoffman aparentou na cena exatamente o tipo de pânico confuso que o personagem deveria transparecer”.
Para atrapalhar mais ainda o psicológico do ator, durante as filmagens, uma equipe da revista Time foi visitar as locações e estampou em suas páginas: “se o rosto de Dustin Hoffman fosse sua fortuna, ele estaria condenado a uma vida de pobreza”. Isto sem mencionar os próprios produtores que apareciam questionando o cineasta, afirmando que o filme tinha todo o potencial para ser maravilhoso, caso ele tivesse escolhido melhor o protagonista.
A decisão do diretor de acreditar no talento do jovem foi um salto de fé que redirecionou totalmente a vida e a carreira do ator. Ele atuou tenso durante o filme inteiro, acreditando que poderia ser substituído a qualquer momento. Esta sensação de desconforto fica aparente e ajudou na construção de clima da obra, que acabou se tornando um enorme sucesso de crítica e público. Nichols ganhou um Oscar por sua direção e Hoffman foi indicado em sua categoria, além de ganhar um BAFTA e um Globo de Ouro, como revelação do ano.
Qual seria o próximo passo de um jovem que acabou de ganhar reconhecimento mundial no mundo do cinema? Nos dias de hoje, tentaria entrar numa franquia bilionária, aproveitando-se da recém-conquistada fama, ou, no mínimo, protagonizaria algum projeto ambicioso. Ele escolheu a via inversa e voltou a ser coadjuvante em “Perdidos na Noite” (Midnight Cowboy – 1969), ao lado do galã Jon Voight. Seu personagem era um vigarista simplório, manco e doente. Ele recebeu a segunda indicação ao Oscar, além de ter contribuído para que o filme recebesse o prêmio principal. O pobre coitado “Ratso” Rizzo foi eleito como uma das cem melhores interpretações de todos os tempos, conquistando um honrado sétimo lugar.
No ano de 1971, trabalhou com o diretor Sam Peckinpah em “Sob o Domínio do Medo” (Straw Dogs), em que teve a chance de afastar de vez sua insegurança e timidez ao interpretar um personagem muito parecido com ele próprio, mas que se vê em uma situação em que não existe saída fácil. Quando a honra de sua esposa é colocada em jogo, precisa liberar seu lado mais instintivo e violento, indo para o ataque contra um grupo de arruaceiros que pretendem invadir sua casa. O inteligente diretor chegou a utilizar esse fator como ferramenta de divulgação, quando no trailer o narrador salienta: “Peckinpah irá liberar a fúria de Dustin Hoffman”. Claro que todo mundo queria ver isso nas telas, o filme foi um grande sucesso.
O jovem já havia se tornado um nome reconhecido mundialmente, porém se mantinha devotado ao seu conjunto de obra, recusando participações em filmes que não o instigassem, mesmo que nestes projetos estivesse pautado para ser o protagonista herói e galante. Esta não era a sua intenção, preferindo dividir o espaço no pôster com Steve McQueen, que tinha fama de arrogante, em “Papillon” (1973). A amizade entre os dois transcendeu as telas e era consequência de um mútuo respeito e admiração.
Dois anos após o famoso caso Watergate chocar a América, Hoffman se juntou a Robert Redford no drama político: “Todos os Homens do Presidente” (All the President’s Men – 1976), vivendo a dupla de jornalistas que ficou famosa por tornar público todo aquele esquema vergonhoso de corrupção que fez com que Richard Nixon decidisse deixar a Casa Branca.
No ano de 1979, ganhou seu primeiro Oscar pelo ótimo drama: “Kramer Vs. Kramer”, que também levou o prêmio principal na noite, além de uma estatueta para Meryl Streep e para o diretor Robert Benton. Na vida real estava passando por um problema parecido com o de seu personagem, sofrendo um processo longo e extenuante de separação conjugal. Ao utilizar seu ódio nas cenas, conseguia surpreender até mesmo seus colegas de elenco. Quando vemos o filme, fica evidente que, em muitos momentos, é o próprio Hoffman que está ali, falando na cara de Streep tudo o que gostaria de estar falando para sua ex-mulher em sua vida real.
Na década de 80 suas escolhas foram muito acertadas, como na popular comédia: “Tootsie” (1982), que o próprio considera a melhor sessão de análise que já fez. Para o espanto do diretor Sidney Pollack, ele se entregou por completo ao personagem, a ponto de sofrer ao constatar que, travestido de mulher, não era exatamente um símbolo de beleza.
Em entrevista, ele relembra o filme e todo o trabalho de preparação para viver uma mulher, chega a se emocionar quando lembra que foi, vestido como a personagem, dar um passeio com outras meninas e acabou descobrindo como os homens são cruéis. As mais bonitas eram tratadas como rainhas, enquanto ele não recebeu a mais ínfima atenção. Ele afirma que a partir daquele momento se tornou um homem melhor. Com “Rain Man” (1988), recebeu seu segundo Oscar ao interpretar mais um personagem difícil, um autista que acaba dando umas lições de humanidade ao seu irmão arrogante, vivido por Tom Cruise.
Dustin Hoffman continua na ativa em produções dos mais variados gêneros e conseguiu firmar seu nome no imaginário popular coletivo como sinônimo de qualidade. Raros são os casos em que uma estrela deste porte cruza a extensa miríade de estrelas menores, conseguindo se sobressair com tanta competência neste ingrato firmamento artístico.
Hoje, quis o destino que ele ocupasse um lugar de honra ao lado de seu ídolo, Marlon Brando, como os únicos atores na história do cinema que receberam duas estatuetas por papéis principais em dois filmes que venceram na categoria principal do Oscar. Brando por “Sindicato de Ladrões” e “O Poderoso Chefão”, e Hoffman por “Kramer Vs. Kramer” e “Rain Man”.
Para quem sonhava em ser como Brando, batucando no topo de um edifício em meio a sonhos que considerava impossíveis…
O emocionante discurso dele ao receber o Oscar por “Kramer Vs. Kramer”, argumentando contra o conceito de disputa artística:
Nossa, como aprendi sobre o Dustin Hoffman, um ator que admiro desde o primeiro filme em que atuou! Octavio Caruso, você é craque mesmo! Abração e muito obrigada pela bela matéria.
Eu li ima entrevista de Hoffman, no JB se não me engano, em 1977, por aí. Eu havia me tornado fã ao assitir a Midnight Cowboy e depois ao Graduate. Ele contou que, entre os empregos que teve para sobreviver enquanto estudou arte dramática, trabalhou no Macy’s. Acho que ele toca piano, mas não tenho certeza. Se alguém puder me tirar essa dúvida…