Alguns dias atrás eu revi “A Árvore da Vida” (The Tree of Life – 2011, de Terrence Malick) e constatei novamente sua incrível morosidade. Lembrei-me de toda a polêmica que ele causou em sua estreia, gerando opiniões radicais de apreço ou de repúdio.
A garotada adolescente se agarrou naquela nuvem e utilizou-a como bandeira em sua guerra por autoafirmação, atacando duramente todos que diziam que não haviam gostado ou entendido. Meses depois, assistindo a uma entrevista do excelente ator Gary Oldman (divulgando o último “Batman”, de Christopher Nolan), eu fiquei surpreso com sua forma jocosa de se referir ao tão celebrado filme: “Eu sou um fã de Terrence Malick, fui assistir ao filme sem saber nada sobre ele, mas após assisti-lo continuo sem saber nada sobre ele.”
A gargalhada dele foi mais sincera que todas as Bíblias escritas pelos defensores da obra, buscando significados em uma típica “roupa nova do rei”. O que ocorre com esta superestimação é o posicionamento de mais um tijolo no muro do senso comum (do cinéfilo casual), debochadamente chamado de “filme cabeça” ou “filme de arte” (toda expressão artística é uma forma de arte). Você já deve ter escutado muita gente dizer que não suporta a chatice dos “filmes cabeça”. Todos precisam ser chatos?
A cena que inicia “Lanternas Vermelhas” (Da Hong Deng Long Gao Gao Gua – 1991) já emociona o espectador. Nela vemos a personagem vivida por Gong Li aceitando resignada sua função na sociedade da época (“serei uma concubina, pois este é o destino da mulher”). Os seus olhos, lenta e gradativamente lacrimejam, mas as lágrimas somente descem pelo seu impávido rosto no segundo final.
O que realmente emociona o espectador não são as lágrimas em profusão (erro usual em telenovelas), mas sim, o processo físico que antecede a ação. Ser a esposa de um chinês rico no início do século XX significava escravizar-se a uma tradição milenar, tornando-se uma dentre quantas mulheres ele quisesse.
O talentoso diretor Zhang Yimou consegue unir a sensibilidade estética com um senso de ritmo dinâmico, levando o público casual a afirmar: “nunca imaginei que um filme de arte pudesse me deixar tão apreensivo”. A realidade é que não existe um gênero “arte”, pois como já afirmei, todas as expressões cinematográficas (de qualquer gênero) são formas de arte.
Existe o senso comum de que todos os filmes que não visam puramente o entretenimento são chatos e arrastados. Conheço pessoas que afirmam não suportarem o cinema chinês (somente apreciam os de Kung-Fu), mas que adoraram “Lanternas Vermelhas”. Afinal, qual é o fascínio desta obra?
No clássico maravilhoso de Preston Sturges: “Contrastes Humanos” (Sullivan’s Travels – 1941) encontra-se uma possível resposta à questão levantada no parágrafo anterior. O protagonista (vivido por Joel McCrea) é um diretor de cinema (alter ego do próprio Sturges) que abastece a indústria com filmes ingênuos de comédia e alegres musicais, retratando uma realidade muito diferente da vivida pelo povo de seu país, massacrado pela Grande Depressão.
Decidido a fazer algo de útil pela sua sociedade, investe enorme dedicação em um novo projeto dramático, em que irá retratar a miséria e a cruel vida real. Como forma de compreender melhor este universo, decide vestir-se de morador de rua e conviver com os marginalizados. Não demora muito para que ele perceba a importância do escapismo como meio saudável de sobrepujar situações difíceis. O conceito é inteligentemente representado na bela cena dos presidiários gargalhando ao assistirem a um simplório desenho animado.
A obra exalta a necessidade do humor e critica os densos “filmes de protesto” (no que se encaixam também as músicas de protesto), que hipocritamente emolduram a miséria, mas não apresentam maneiras de contorná-la de forma lúdica ou prática.
Yimou não precisa deixar uma câmera focando estaticamente uma árvore por cinco minutos, para “dizer” alguma coisa. Ele sabe que existe um público do outro lado ansioso em identificar-se com sua arte, emocional e racionalmente. Diferente de vários diretores “de arte”, que parecem ter prazer em tornar a experiência o mais entediante possível (a pretensão superando a competência), Yimou consegue passar sua mensagem com riqueza de detalhes, sem fazer o espectador consultar o relógio de dez em dez minutos.
O microcosmo apresentado em sua obra, quatro esposas que disputam a atenção de um senhor, faz questionar e nos entretém. Aquela mulher que é selecionada para passar a noite com seu “dono”, recebe uma confortável massagem nos pés e pode escolher o que irá comer nas refeições do dia seguinte. Ela é valorizada e sente-se uma rainha, o que obviamente causa ciúme nas outras esposas.
Yimou acerta ao manter o homem sempre escondido na penumbra ou visto de muito longe, pois reflete no público exatamente o mesmo tipo de relação distante e fria que a protagonista vive. Outros detalhes estéticos, como a diferenciação feita pela fotografia, entre as estações do ano e sua relação com as esposas, eu deixarei para o leitor identificar.
A crítica realizada pelo cineasta é contundente, porém conduzida primordialmente com a intenção de entreter (outra expressão comum utilizada após a exibição: “fiquei o tempo todo na ponta do sofá, tenso”), fazendo com que sua duração passe veloz. Infelizmente nesta indústria, para cada Preston Sturges ou Zhang Yimou existem cinco Terrence Malick’s, dispostos a curar nossa insônia com seus enfadonhos projetos.
E finalizo com afirmações curiosas de geniais diretores, como o alemão Werner Herzog, que uma vez afirmou: “diretores como Godard são intelectualmente falsos, quando comparados a um bom filme de kung-fu”. Como processar esta afirmação feita pelo francês François Truffaut, sobre Michelangelo Antonioni: “ele é o único diretor importante do qual nada de bom tenho a dizer, pois ele me dá sono com toda sua solenidade e nenhum senso de humor”.
Até Ingmar Bergman manifestou seus sentimentos sobre o trabalho de Antonioni: “Fellini, Kurosawa e Buñuel caminham no mesmo ritmo de Tarkóvski, mas Antonioni vai por outro caminho, sufocado pelo seu próprio tédio”. Finalizo com as palavras do crítico e diretor francês Jacques Rivette, que uma vez afirmou sobre Stanley Kubrick: “ele é uma máquina, um mutante, um marciano, sem nenhuma emoção humana.”
Não existe “filme de arte”, mas sim, diversas formas de compreender diferentes expressões artísticas. Ninguém é mais inteligente por ter amado “A Árvore da Vida”, nem um ignorante inculto por tê-lo achado um tédio insuportável.
Excelente e revelador artigo!
Muito obrigado pelo carinho, amigo Setaro!