Privilégio (Privilege – 1967)

Steven Shorter (Paul Jones) é o maior astro da música britânica, até que seus produtores e empresários começam a usar sua popularidade para projetos econômicos dos mais variados. Enquanto Steven perde sua individualidade transformando-se em um produto, sua posição de ícone se torna útil para os setores mais conservadores da sociedade do Reino Unido. A Igreja e o Estado começam a usá-lo para combater o ateísmo e o comunismo.

Utilizando a estética de um documentário que analisa friamente um case de marketing bem sucedido, o diretor inglês Peter Watkins (após o excelente documentário: “The War Game”, de 1965) elabora junto com o criador da história: Johnny Speight (que assina o roteiro junto com Norman Bogner), uma alegoria profética ambientada em um futuro não muito distante, sobre um jovem cantor que perde sua identidade em troca de um status de formador de opinião. A máquina de propaganda utiliza-o como forma de manter os adolescentes britânicos alienados, fazendo-os canalizar e extravasar sua revolta, mas mantendo-se ignorantes sobre os rumos políticos de seu país.

Steven é apresentado algemado e enjaulado diante de seus fãs, que berram descontroladamente e clamam por sua liberdade. Um circo de horror que nos remete aos escândalos tão atuais envolvendo os astros populares do mundo do entretenimento. Aqueles que apreciaram “O Show de Truman” (de Peter Weir) encontrarão porto seguro nesta obra. O roteirista Andrew Niccol provavelmente deve ter se inspirado em Steve para compor o protagonista vivido por Jim Carrey (até mesmo na influência feminina no terceiro ato, essencial para a mudança na atitude do protagonista).

São vários os momentos de genialidade, mas particularmente considero brilhante o discurso do reverendo Jeremy Tate (Malcom Rogers), emulando os maneirismos de Hitler, em que ele conclama de seus fiéis o conformismo.

A imagem do jovem teria que ser moldada (devido a interesses mercadológicos) de um rebelde para um honorável cristão, então seus produtores organizam um evento em escala olímpica, para reinseri-lo transformado na sociedade. A narração em off (feita pelo próprio diretor) nos informa que, enquanto Steve finaliza o evento com uma canção que incita algo de transcendental, cadeiras de rodas foram dadas à vários cidadãos doentes, para que a ilusão do milagre ocorra.

Ao estender suas mãos, os falsos paralíticos se levantam e a comoção se agrava, mas o rosto do jovem não poderia expressar maior desalento. Ele se move em coreografias, até mesmo seus gestos mais simples são coordenados. Basta um olhar mais atento aos fenômenos midiáticos modernos, para perceber que este futuro imaginado alegoricamente no filme acabou se concretizando. Em dado momento, numa reunião com a alta cúpula que produz o jovem, uma estilista apresenta de maneira formal o estilo que será adotado em algumas semanas pelos jovens britânicos.

A manipulação midiática continua mesmo após Shorter sair de cena, pois continuam utilizando suas imagens de arquivo, somente retiram o som. O produto continua à venda, pois existe um público que compra.

Não me surpreende que este filme tenha sido boicotado em sua época (a mídia afirmava que a obra era imoral, debochava da igreja e desafiava as autoridades, encorajando a delinquência juvenil) e que ainda hoje seja praticamente desconhecido, até mesmo entre os cinéfilos mais dedicados.

Música-tema cantada por Paul Jones:



Viva você também este sonho...

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