Assistir aos filmes clássicos da britânica Hammer, mesmo os mais fracos, faz com que entendamos a fascinação que o horror proporciona àqueles que apreciam o gênero. Sem medo de arriscar, por não ter muito a perder, a produtora encontrou sua mina de ouro no inconsciente coletivo dos jovens. Não havia limites para a criatividade dos realizadores, que flertavam com todos os conceitos possíveis.
Da reutilização dos monstros sagrados da Universal Studios, passando por tramas demoníacas e serpentes-humanas, até uma refinada adaptação para “O Cão dos Baskervilles”, de Arthur Conan Doyle. Antes de George Romero revolucionar com seu “A Noite dos Mortos-Vivos” (1968), a Hammer atacava com “Epidemia de Zumbis” (The Plague of The Zombies – 1966), influenciando todas as produções posteriores, unindo os zumbis ao contexto político/social. A utilização do Technicolor também auxiliava na imersão, já que os fãs estavam acostumados aos sustos em preto e branco, nos filmes mais comportados dos estúdios americanos. As produções possuem um clima gótico que outros estúdios, como a Amicus e a Full Moon, tentaram emular, mas sem a mesma competência.
1 – O Vampiro da Noite (Horror of Dracula – 1958)
As suas sete sequências são fracas, mas o original ainda resiste como a melhor representação do horror gótico e, no meu ponto de vista, a melhor representação do clássico personagem criado por Bram Stoker. O porte nobre de Christopher Lee, sua inesquecível primeira aparição envolto em sua capa e imerso na escuridão de uma escadaria, exalando uma silenciosa ameaça animalesca por trás de seus maneirismos aristocráticos. Seu caminhar que não produz som no chão, ao acompanhar Jonathan Harker pelo castelo, incitando sutilmente o sobrenatural, como se ele flutuasse. Numa esperta decisão do diretor Terence Fisher, para enfatizar o controle sexual do Conde em suas vítimas, todos os rostos das mulheres atacadas vão do puro terror (à aproximação dele) ao êxtase romântico, como se tivessem tido a melhor noite de amor de suas vidas.
2 – A Maldição de Frankenstein (The Curse of Frankenstein – 1957)
É difícil adaptar a obra de Mary Shelley, já que o monstro em questão inspira mais pena do que medo. Assim como no “Nosferatu” de Murnau, a preocupação em evitar processos judiciais (nesse caso, da “Universal”) foi um elemento positivo, já que os responsáveis tiveram que retrabalhar a trama e colocar a criatividade para funcionar. Até hoje, de todas as versões, essa é a que considero a mais interessante (superando até mesmo o clássico de Boris Karloff). A forma como o roteiro utiliza o tempo para humanizar o Barão, tornando-o uma figura tridimensional, alguém que vai sucumbindo perante sua própria ambição, alimenta o investimento emocional do público. O monstro é o próprio doutor, enquanto a criatura (Christopher Lee) é mostrada como um triste fantoche (uma cena que inspirou George Romero e seu zumbi treinado em “Dia dos Mortos”). O mais interessante aspecto reside na possibilidade de que toda a trama (contada pelo protagonista em flashback) seja a visão de uma mente perturbada, que inseriu a figura do monstro como forma de negar seus próprios crimes. Um olhar mais atencioso na sequência de acontecimentos sustenta esse viés psicológico, o que enriquece ainda mais o valor da obra em várias revisões.
3 – As Bodas de Satã (The Devil Rides Out – 1968)
O final da década de 60 deu luz a vários flertes cinematográficos com os cultos satânicos, sendo o mais famoso deles: “O Bebê de Rosemary”. Baseado no livro de Dennis Wheatley (com roteiro do mestre no gênero: Richard Matheson), essa produção da “Hammer” normalmente passa despercebida, mas é um excelente exercício em estilo e ambientação, conduzido com seriedade (uma das preocupações era a de retratar com fidelidade uma Missa Negra). Com Christopher Lee, numa rara inversão (no papel que ele considera seu favorito, por ser um dedicado estudante do ocultismo), sendo o herói que busca libertar um jovem amigo do controle hipnótico do líder de uma seita satânica (Charles Gray, ótimo em cena), o filme só perde pontos em seus minutos finais, quando decide por um desfecho ideologicamente fácil. Sinto arrepios só de pensar na cena em que o líder, após manipular a mente de uma pobre mulher que o desafia ao abrigar o jovem, friamente ameaça: “Eu não voltarei… Mas algo virá.”
4 – Sepultura Para a Eternidade (Quatermass and The Pit – 1967)
Dirigido por Roy Ward Baker, o roteiro surpreende já nos primeiros quinze minutos, quando percebemos que estamos assistindo uma ficção científica de terror com ideias à frente de seu tempo, um dos mais criativos no tema de invasões alienígenas. Lançado antes de “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, ele explora temas tão audaciosos quanto, porém com muito menos verba e pretensão. O mérito é todo da história de Nigel Kneale, um talento pouco reconhecido (até mesmo em sua incursão no mainstream com o subestimado “Halloween 3 – A Noite das Bruxas”, ele demonstra seu apreço pelos desvios menos trabalhados do sobrenatural). Antes da parceria Kubrick/Arthur C. Clarke e dos trabalhos literários de Erich Von Daniken, esse tesouro britânico já instigava nossa imaginação, incitando-nos a rever a história da evolução humana no planeta.
5 – Frankenstein Criou a Mulher (Frankenstein Created Woman – 1967)
O título sensacionalista pode afastar aqueles que acreditam se tratar de mais uma reutilização do tema clássico criado por Mary Shelley, mas o roteiro é bastante original, ainda mais se compararmos com o padrão das obras do estúdio. Tratado como um filme independente do cânone, ele foge da previsibilidade estrutural das sequências de “O Vampiro da Noite” (especialmente) e do próprio “A Maldição de Frankenstein”. Existe forte influência do francês “Os Olhos Sem Rosto” (de Georges Franju, 1960), aliado a uma aura de um perturbador conto de fadas. A realidade hipotética que trabalha, conjecturando o que teria acontecido ao ambicioso doutor (vivido novamente por Peter Cushing) após sua primeira criação, dá vazão a uma criatividade maior nos diálogos. O conceito da vingança é muito bem estabelecido, mérito da boa atuação de Susan Demberg (a trágica Christina), que convence nas duas versões de sua personagem. A ideia de que o objetivo da experiência está na preservação da alma, ao invés do desejo pela reconstrução da carne, provoca discussões posteriores (a violência como algo triste, não como uma catarse redentora), o que é raro nos filmes do estúdio, que normalmente visam apenas diversão descompromissada.
6 – A Múmia (The Mummy – 1959)
Com a direção sempre competente de Terence Fisher, Christopher Lee entrega mais um personagem icônico, o ancestral da tumba da princesa Ananka, a múmia Kharis, que recebe a missão de espalhar a maldição contra todos os profanadores. É muito difícil realizar algo criativo dentro de um tema que já era tão desgastado, mas a Hammer demonstra sua genialidade, inserindo no imaginário coletivo dos fãs cenas como a ambientada em um pântano sombrio. A construção de clima é impecável. E a parceria entre Peter Cushing e Lee, como sempre, garante a diversão.
7 – Grito de Pavor (Taste of Fear – 1961)
Suspense de altíssimo nível, elegante e injustamente pouco conhecido, com a direção de fotografia impecável do mestre Douglas Slocombe (para os jovens, responsável pela fotografia da trilogia “Indiana Jones”), além de um desfecho inesquecível.
8 – A Maldição do Lobisomem (The Curse of The Werewolf – 1961)
O único projeto sobre lobisomens dos estúdios Hammer mantém o estilo elegante de suas produções, ainda que não possa ser comparado em qualidade aos protagonizados pelo vampiro de Christopher Lee. Como opção à frente de seu tempo, recurso utilizado na série “Hemlock Grove”, a licantropia no personagem vivido por Oliver Reed é produto de sua concepção, tornando a situação da vítima ainda mais trágica. Neste caso, foi utilizada uma analogia para o trauma de um abuso, já que o garoto nasceu de uma relação forçada. Este aspecto reforça o interesse maior no desenvolvimento das motivações, em detrimento de cenas de ação, o que pode não agradar aqueles que buscam apenas a violência.
9 – O Cão dos Baskervilles (The Hound of The Baskervilles – 1959)
O compromisso nem é tanto com a obra literária, mas com o tom da aventura mais famosa de Sherlock Holmes. É uma pena que o estúdio não tenha produzido mais adaptações de Arthur Conan Doyle, Peter Cushing nasceu para interpretar o detetive da Rua Baker.
10 – Quatermass 2 (1957)
A sequência do projeto de baixo orçamento que colocou a Hammer no mapa surpreende pela ousadia na temática sci-fi, uma conspiração secreta para a conquista mundial por um gigantesco organismo amorfo formado por milhões de partículas inteligentes com uma só consciência. Com a direção esperta de Val Guest, superando o original em todos os quesitos, esta pérola segue eficiente, algo raríssimo nos similares do gênero no período.
11 – Cilada Diabólica (Nightmare – 1964)
A direção de Freddie Francis, diretor de fotografia de filmes como “O Homem Elefante”, potencializa a atmosfera de mistério que envolve os frequentes pesadelos macabros da adolescente no internato, com forte inspiração em “Psicose”, de Hitchcock.
12 – Carmilla – A Vampira de Karnstein (The Vampire Lovers – 1970)
Quando uma misteriosa condessa viaja para o exterior para visitar um amigo doente, o general Spielsdorf oferece-se para cuidar de sua filha Carmilla. O que o general não imagina é que Carmilla é a reencarnação de uma terrível vampira. Como esquecer a beleza hipnótica de Ingrid Pitt, musa da Hammer? A produção, já na fase final do estúdio, exala sensualidade.
13 – Os Malditos (The Damned – 1963)
Dirigido pelo grande Joseph Losey, metáfora para a paranoia atômica da Guerra Fria, com conceitos sobre delinquência juvenil que seriam trabalhados em “Laranja Mecânica”, uma produção pouco celebrada até entre os fãs da Hammer, mas que merece maior reconhecimento.
14 – O Médico e Irmã Monstro (Dr. Jekyll and Sister Hyde – 1971)
Eu vi este filme numa transmissão televisiva na infância e nunca me esqueci dele. Ao rever pela primeira vez agora, para a elaboração desta lista, grata surpresa, o roteiro, que incorpora elementos de “Jack – O Estripador”, segue eficiente. O conceito é tão bizarro, o cientista cria uma fórmula com hormônios femininos, fazendo com que ele se transforme em mulher, na sua versão comportamentalmente mais agressiva, selvagem. É a versão mais interessante da clássica obra literária de Robert Louis Stevenson.
15 – O Conde Drácula (Scars of Dracula – 1970)
Essa quinta incursão protagonizada por Christopher Lee é usualmente tida como uma das mais fracas, mas nunca concordei com esse senso comum. As primeiras sequências do original cometiam um equívoco crasso: seus roteiros nos faziam simpatizar e até torcer pelo vampiro. Em compensação, “O Conde Drácula” é o único que realmente se importa em utilizar elementos extraídos diretamente do livro de Bram Stoker, como o sensacional “passeio” noturno do conde, escalando pelo lado de fora do castelo. O filme também ousa dar o passo além, assim como o primeiro fez com relação à utilização das cores, explorando generosamente o gore. Como sempre deveria ter sido, o conde novamente se torna alguém a ser temido.
Que texto histórico é esse? Vou até tentar rever alguns deles (já que, fascinado pelo gênero, assisti a quase todos). Brilhante; as obras e o texto. Parabéns, Octávio!