Acossado (À Bout de Souffle – 1960)
Assistir ao filme mais “popular” de Jean-Luc Godard, ainda é uma experiência morosa. Costuma-se dizer que existem obras mais e menos acessíveis de certos cineastas. “Acossado” pode ser considerado por esta lógica, um dos mais acessíveis.
O conceito de acessibilidade é algo ilusório, pois existem filmes incompetentes que são taxados erroneamente de inacessíveis, um argumento que acaba jogando a culpa no espectador, quando na realidade o único que deve ser culpado é o próprio cineasta/roteirista. Aquela velha história da matéria escolar que parece ser impossível de entender, até que você conheça um bom professor que a torne encantadora e simples. Este não é o caso de Godard em seus anos de ouro. A sua competência é indiscutível.
A grande originalidade narrativa da obra, baseada em conceito de François Truffaut, é desconstruir o forte imaginário coletivo criado pelo cinema americano em décadas de ótimos filmes policiais. Muito antes de Tarantino, Godard amalgamou variadas referências, que vão do Western ao Noir, passando pelas artes plásticas e a cultura pop da época, e entregou ao mundo o mais inusitado filme policial visto até aquele momento. Um cujo clímax se passa durante uma longa conversa do casal (Jean-Paul Belmondo e Jean Seberg) em uma cama.
Tecnicamente ousado, com uma edição livre de qualquer regra, em que cortes inusitados desrespeitam constantemente o fluxo dos diálogos e a noção de campo e contracampo, que resumidamente se refere a campo/espaço que a câmera escolhe focar e contracampo/tomadas sucessivas que, por exemplo, focam alternadamente em pessoas que dialogam. Artifícios que em alguns momentos tornam ágeis algumas cenas que, pela maneira tradicional de filmagem, poderiam se arrastar por longas tomadas, enquanto que em outros momentos, potencializa certos detalhes usualmente preteridos por cineastas que seguiam a cartilha tradicional, como por exemplo, a repetição do gesto de Belmondo, homenagem a Humphrey Bogart, ao passar o dedo polegar nos lábios ou a sucessão de caretas próximo ao final.
Godard e seus colegas de Nouvelle Vague, apaixonados pelo cinema americano, demonstravam que poderia coexistir também uma forma de filmar sem regras. Infelizmente o diretor se viu vítima de sua própria crítica, pois hoje parece não saber fazer filmes de outra forma, acabou criando uma “regra” que não consegue (e nem parece disposto a) romper. O que na década de 50 era transgressor, hoje é sintoma de preguiça criativa, alimentada pela idolatria cega de alguns adolescentes, que tolamente incensam diretores “revolucionários”, sem lembrar que os próprios eram apaixonados pelo cinema de gênero norte-americano de Howard Hawks e Nicholas Ray, entre outros.
Godard, que muitos cinéfilos chamam de “GOD”, possui em comum com Jesus ao menos o fato de que legou para o futuro um séquito de adoradores especialistas em adulterar seus reais objetivos em nome de uma “igreja em torno dele”, ao invés de algo mais coerente com seus ideais originais. Jean-Luc ousou mostrar uma alternativa, não afirmar que a sua visão era a mais interessante ou a única com méritos.