O Colecionador (The Collector – 1965)
Quando penso no livro de John Fowles, eu me recordo que li em apenas um dia, atrasando vários deveres de casa que deveria entregar no dia seguinte na escola. A sua estrutura é hipnótica, um genuíno page turner, sem gordura extra.
Eu só fui assistir ao filme anos depois, já que não o encontrava em nenhuma locadora de vídeo. E a adaptação do diretor William Wyler, naquela que considero sua última obra-prima, emula perfeitamente o senso de perigo iminente nas páginas, com uma interpretação primorosa, rica em nuances, de Terence Stamp, em seu primeiro grande papel no cinema.
É impressionante a forma como ele deixa transparecer sutilmente sua fragilidade em sua atitude corporal, constantemente pendendo sua cabeça ao admirar sua presa, exatamente como uma criança que analisa o mundo pela primeira vez. Já a atuação de Samantha Eggar, por mais que tenha sido premiada e elogiada pela crítica da época, falha em personificar a força interior da personagem literária.
Ela soa pedante, nunca no controle das situações. E a inteligência emocional da personagem, como exposta na parte do livro em que acompanhamos seu diário, superava em muito a de seu gentil algoz. Estes detalhes não enfraquecem o excelente resultado, um suspense que ainda hoje é tremendamente eficiente, mas que infelizmente é pouco lembrado.
Acho excelente a forma como a câmera, na cena em que Miranda encara pela primeira vez seu captor, insinua que ele esteja empunhando algum tipo de arma intimidadora, mas que descobrimos ser apenas uma bandeja com a refeição. A metáfora é clara, um amargo estudo sobre diferenças entre classes sociais e suas respectivas “máscaras”, travestido de conto de terror.
Como esquecer o momento em que o perturbado Frederick (Stamp) questiona a valorização exagerada da arte como forma de segregação intelectual na sociedade?
Ele pergunta para a jovem se ela realmente vê beleza nos rostos das telas de Picasso, ou se ela simplesmente as aplaude por simbolizarem uma forma de superioridade social, finalizando por rasgar violentamente o livro de arte. Ela realmente entende a mensagem do livro “O Apanhador no Campo de Centeio”, ou apenas exibe-o como um símbolo de literatura superior?
Ele sabe que sua borboleta cativa nunca iria sequer olhar para ele em um dia normal, um simples bancário, que era alvo do deboche dos colegas até o dia em que recebeu a visita de uma familiar, avisando que ele havia ganhado o prêmio da loteria.
Ele decide aprisionar a jovem estudante, não numa tentativa de impor sua personalidade sobre a dela, mas sim, com a ideologia de um legítimo colecionador, procurando amalgamar-se ao objeto de estudo, entendê-lo em suas particularidades. Ao querer que ela passe um tempo com ele e acabe gostando de sua companhia, o protagonista busca desesperadamente entender o que o torna tão diferente dela, quais as razões que o fazem ser ignorado enquanto pobre cidadão, mas adulado quando ascende socialmente num golpe de sorte.
Analisando profundamente, Miranda é tão doente quanto Frederick, ambos são vítimas de um sistema que segrega, estipulando o que é valoroso e o que pode ser desprezado, utilizando critérios abstratos e questionáveis.
E o colecionador não se satisfaz com apenas um espécime analisado, continuando sua busca pela perfeição, aperfeiçoando seu plano para seu próximo alvo…
O filme está sendo lançado em DVD pela distribuidora “Versátil”. Filme imperdível na coleção de todo cinéfilo dedicado.