Ela (Her – 2013)
Spike Jonze conseguiu mais uma vez superar as expectativas de seus admiradores. O que nos faz humanos? A capacidade de sermos afetados pelo outro, sentir compaixão e desejo.
O protagonista vivido por Joaquin Phoenix trabalha inserindo emoções no subconsciente de estranhos, criando cartas escritas à mão para seus clientes. O futuro se mostra através de aparatos tecnológicos requintados, mas a realidade dos homens é exatamente a que vivemos hoje: pessoas que se cruzam nas ruas e não se encaram; corpos carentes de calor humano mesmo quando próximos. A terrível solidão que se experimenta em grupo.
Samantha (Johansson), a voz feminina do sistema operacional, uma ideia que gradualmente se revela através da percepção de Theodore (Phoenix), personificando o elemento que carecia na vida dele: algo/alguém que se importa. Só que ela não é real, mas apenas o resultado de uma dedicada pesquisa no banco de dados dele. Ela suspira, não por necessitar de oxigênio, mas por calculisticamente perceber o efeito no processo identificatório (Freud considerava “a mais remota expressão de um laço emocional com outra pessoa”) que este simples som causa no ser humano.
E, tão interessante quanto, temos a personagem vivida por Amy Adams, única mulher com quem ele se relaciona sem demonstrar insegurança. Ela defende uma das melhores frases, o leitmotiv da obra: “Apaixonar-se é uma loucura. É como uma forma de insanidade socialmente aceitável.”
Num toque de gênio, Jonze encaminha o protagonista a uma situação crucial, em que tendo a opção de (com a permissão de sua “parceira”) experimentar o amor fisicamente com uma substituta, ele a considera algo menos real, incapaz de emular com ela os sentimentos que compartilha diariamente com Samantha. Ciúme, insegurança, medo… Autênticas emoções que nascem do convívio, nos longos momentos de cumplicidade serena após a usual satisfação carnal dos primeiros meses de uma relação.
Ao lembrar-se de sua esposa, vivida por Rooney Mara (ele se recusa a formalizar o divórcio, mesmo sabendo que não há mais possibilidade de retorno), ele percebe que está apenas ativando uma versão dela em sua memória afetiva, algo facilmente manipulável. A nostalgia embeleza tudo o que toca. O que é, afinal, real? Como quando sentimos pena na poética “morte” de HAL 9000 no clássico de Stanley Kubrick, acabamos nos surpreendendo com o nível de afeto que desenvolvemos ao longo da trama pelo casal.
Como em todo filme de Jonze, revelar demais sobre a trama é um equívoco e um desrespeito pela experiência do público, então contenho minha vontade de filosofar mais sobre as múltiplas interpretações que ela suscita, finalizando com a afirmação de que “Ela” é um dos melhores filmes do ano.