A Tortura do Medo (Peeping Tom – 1960)
A coragem do diretor inglês Michael Powell, na vanguarda de sua abordagem, acabou prejudicando sua carreira. Lançado no mesmo ano de “Psicose” de Hitchcock, apresentava ao público um criminoso cujos atos de loucura não eram diagnosticados ao final, como ocorre com Norman Bates.
Mark, vivido por Karl-Heinz Boehm, que faleceu recentemente, não eximia o espectador da culpa pela possível identificação. A perturbação em sua mente, cuja origem é revelada sutilmente em flashbacks, tornava a empatia ainda mais latente. Bates era um monstro caricato que víamos de longe, mas Mark podia ser nosso vizinho, alguém que nos conduzia pela mão e nos tornava cúmplices em seu método.
Esta atitude foi determinante na receptividade negativa da crítica, que não deu tempo para o público prestigiar e formar uma opinião, destruindo a imagem do diretor, outrora celebrado por obras como “Os Sapatinhos Vermelhos”, que fez ao lado de Emeric Pressburger. O curioso é constatar que seu esforço solo resultou em um produto superior aos projetos da dupla, tendo sido abraçado ternamente pelo tempo. É claro que o choque perdeu impacto na sociedade atual, com a banalização da violência, mas dá para imaginar a reação daqueles que viram na sala escura em sua estreia.
O efeito que se mantém é mérito da franqueza narrativa e do desinteresse do roteiro em julgar o protagonista, exatamente os elementos que motivaram as críticas negativas. Powell foi artisticamente eliminado em vida pelos produtores, que se recusavam a investir em seu talento, mas ressuscitado anos depois pela inteligência rebelde da juventude, a Nova Hollywood composta por Martin Scorsese, Coppola e George Lucas, entre outros, que se esforçaram ao máximo para restaurar o conjunto de obra daquele senhor que já se considerava esquecido.
Karl, marcado pela doçura de seu personagem no romântico “Sissi”, mudou radicalmente sua imagem, entregando uma insegurança infantil ao protagonista, como se seus atos cruéis nascessem de uma carência por atenção materna, já que, desde muito cedo, com o falecimento dela, teve que se acostumar à presença de uma “substituta”, expressão que utiliza com desdém em sua narração.
O pai, interpretado em uma única cena pelo próprio diretor, uma mente insana com diploma de psiquiatria, capaz de utilizar o próprio filho como cobaia em suas experiências diárias na busca pelo sentido do medo. Em uma época do cinema que primava por ameaças sem tons de cinza, o brilhante roteiro de Leo Marks se aprofunda no trauma do adulto emocionalmente imaturo, incapaz de se afastar de sua câmera portátil 16mm, instrumento que utiliza para eternizar o pavor nos olhos de suas vítimas.
A satisfação que obtém ao observar repetidas vezes essas gravações o conecta diretamente ao seu passado, aquele momento perdido no tempo onde perdeu sua inocência, alguns segundos de prazer na tentativa impossível de regredir ao seu molde psicológico original inalterado.