Guardiões da Galáxia (Guardians of The Galaxy – 2014)
Eu assumo que não conhecia essa equipe antes do anúncio de
que a Marvel a utilizaria no seu ambicioso projeto cinematográfico. E é
exatamente a constatação de sua aparente irrelevância e desprestígio que
funciona como metalinguagem no roteiro, que utiliza livremente como base o
ótimo arco atual escrito por Brian Michael Bendis, que devorei em preparação
para o filme. O interessante é constatar que tinha tudo para dar muito errado,
um material que caberia perfeitamente nas debochadas páginas dos livros de
Douglas Adams, mas que resultou em um produto que se conecta emocionalmente com
o público, elemento que era o tendão de Aquiles das produções do estúdio,
satisfazendo todos os requisitos de um industrial blockbuster infanto-juvenil.
O segredo do roteiro está na assimilação das melhores qualidades dos filmes de
Indiana Jones e Guerra nas Estrelas, com uma pegada espertamente despretensiosa
de um diretor que nasceu no berço dos projetos do estúdio Troma. Um senso de
camaradagem entre personagens que não se levam a sério, que constantemente
piscam para o público, como que o convidando a entrar na brincadeira. Como não
se identificar com o herói que, acreditando estar sozinho em um planeta
distante, aproveita para dançar e cantar, segurando em um pequeno animal como microfone
improvisado, ao som de canções retrô da década de setenta em um toca-fitas
portátil? É a aceitação do absurdo pela diversão que ele oferece. Quando o
roteiro nos desarma, faz com que deixemos o raciocínio adulto de lado,
abraçando com saudade o escapismo que empolgava nossa criança interior. É impressionante como o filme consegue tornar relevante um personagem como o
Groot (Diesel), que só pode se comunicar utilizando três palavras, entregando
corajosamente a ele o peso da cena mais tocante. Já Rocket (Cooper), o diminuto
guaxinim falante, pode ser considerado um milagre. Os diálogos espirituosos
conseguiram fazer dele um elemento mais interessante que muitos dos humanos
presentes. Em nenhum momento meu cérebro desativou a suspensão de descrença, algo
que sinceramente achava que ocorreria logo no primeiro ato. Até mesmo o típico
brutamonte, representado por Drax (Bautista), consegue surpreender por seu
timing de humor. Somos conduzidos conscientemente por uma fórmula consagrada,
mas realizada com esmero e ternura.
Ao se conectar com seu passado através de um objeto tão frágil como um
toca-fitas, Quill (Pratt) nos evidencia que sua anarquia é uma resposta imatura
para os obstáculos da vida adulta. A lembrança triste da morte de sua infância,
com seu desapegar forçado da mãe, não pode ser empecilho para a aceitação de
sua missão ao lado de seus novos amigos. Somente quando ele abraça essa
constatação, optando por verter a lágrima ao invés de retê-la, o jovem se
mostra preparado para singrar o espaço sideral, como Luke Skywalker ao aceitar
deixar seu conforto para acompanhar Ben Kenobi. É o clássico conto de
amadurecimento que se repete a cada geração. Algumas cenas de “Os Vingadores” e de “Capitão América 2”, os melhores até
então, podem ter ficado guardadas com carinho na memória, mas “Guardiões da
Galáxia” é o único filme da Marvel que eu genuinamente tenho vontade de
assistir novamente pelo todo que ele representa. Os desajustados heróis
desconhecidos acabaram eclipsando os medalhões da empresa, garantindo meu
interesse em revê-los em próximas aventuras. E, caso ocorresse, como é usual
nos quadrinhos, um crossover entre as duas equipes, já sei para quem eu
torceria…