A Fita Azul (Electrick Children – 2012)
Um tesouro indie, que merece ainda maior reconhecimento por
ser a estreia de uma cineasta ousadamente autoral. Guardem esse nome: Rebecca
Thomas.
Rachel (Julia Garner, ótima em cena) é uma adolescente enraizada em uma
tradição mórmon fundamentalista que a faz viver a negação da luz elétrica, do
sexo antes do casamento e da música. Seu pai (Billy Zane) é apresentado como o
frio interrogador que grava as respostas da filha no dia de seu aniversário,
salientando um relacionamento que é estabelecido pela “fachada” e não por
qualquer sentimento genuíno. O roteiro sugere possibilidades perturbadoras para
sua gravidez, evento que choca a sociedade extremista em que está inserida, mas
sabiamente posiciona o foco nos terríveis efeitos psicológicos advindos do
fanatismo religioso e dos males de uma existência asséptica.
A menina acredita que o prazer que sentiu ao escutar escondida o vibrante Rock
and Roll, numa fita azul perdida em um porão, causou a sua gravidez. Em sua
inocência, sente que o fruto imaculado de sua virgindade perpétua poderá ser o
filho de Deus. Num detalhe esperto do roteiro, os pais se revoltam ao constatar
a ingenuidade da filha, quando na realidade passaram a vida toda ensinando a
menina a crer nas lendas mais absurdas e miraculosas, aplaudindo-a por não
questioná-las em nenhum momento. Rachel é fruto direto de uma vida de
irresponsável alienação. O roteiro também acerta ao não trilhar o caminho
previsível e cômodo da farsa, da comédia nascida do contraste cultural. É
encantadora a sinceridade com que Rebecca, que veio de uma origem mórmon, trabalha a aventura pessoal da protagonista, que decide abandonar os valores de
sua família e fugir para Las Vegas em busca daquele que acredita ser o pai de
seu filho, o dono da voz na fita. Como Dorothy, a jovem sai do Kansas e
enfrenta o mundo de Oz.
A direção nos faz entender as decisões da menina utilizando recursos oníricos,
um realismo mágico que salienta a vívida imaginação de uma pessoa que enfrenta
o mundo real pela primeira vez. O ótimo desfecho demonstra o desinteresse em
revelar os mistérios, elementos que menos importam nesse “road movie” muito
original.