A Morada da Sexta Felicidade (The Inn of the Sixth Happiness – 1958)
Em toda a sua vida, a inglesa Gladys Aylward (Ingrid Bergman) soube que a China era o lugar a qual pertencia, apesar de não ser aceita como missionária. Nos anos 30, contra o conselho de praticamente todos, ela não desiste e trabalha como empregada doméstica, para obter dinheiro e assim “patrocinar” sua viagem para uma pobre e remota localidade chinesa. Ela acha um aliado poderoso na forma de um idoso mandarim (Robert Donat), que apesar dos esforços iniciais dele de se libertar dos problemas de Gladys eventualmente acaba se convertendo ao cristianismo.
Existem dois pontos que considero muito relevantes neste épico injustamente pouco lembrado do diretor Mark Robson, dois momentos que compensam o equívoco do interesse romântico forçado e sem química entre a missionária Gladys Aylward, interpretada por Ingrid Bergman, e o soldado chinês vivido pelo alemão Curd Jürgens.
A jovem inglesa que consegue fazer o impossível, resgatando e zelando pela segurança das crianças chinesas no período opressivo da guerra, conduzindo-as numa exaustiva e perigosa caminhada através das montanhas para um local seguro, havia sido inicialmente impedida de realizar seu sonho por não ter as qualificações necessárias para o trabalho.
Ela precisou lutar para conseguir o dinheiro para a viagem, além de ter que se contentar com o trabalho de doméstica em uma hospedaria numa aldeia remota. Situação que conduz diretamente para o segundo momento, que ocorre no terceiro ato, um discurso belíssimo de Robert Donat, que estava muito doente e faleceria pouco tempo depois, interpretando o Mandarim que, profundamente comovido com a força do espírito inquebrantável daquela jovem, declara a ela sua conversão para o cristianismo, fazendo questão de que aquela informação constasse nos escritos de seu povo.
O roteiro e a atuação evidenciam que aquele gesto simbólico não feria ou desrespeitava suas crenças pessoais, apenas sublimava o conceito de religião como um elemento que, pela sua etimologia, existe como um laço de piedade com o propósito único de religar os seres humanos ao conceito subjetivo do divino, algo maior do que os dogmas de qualquer ideologia religiosa. E é bonito que esta cena, exatamente a última gravada pelo ator, seja uma despedida. Entrevistado para a biografia do ator, o diretor afirmou que todos na equipe sabiam que ele estava utilizando suas últimas energias naquele trabalho. É possível notar esta aura de transcendência na cena.
A emoção de Bergman é real, enquanto escuta seu esforçado colega afirmar que eles não se veriam novamente. Donat, sempre lembrado por “Os 39 Degraus” de Hitchcock, estava sem trabalhar por longos cinco anos, mas mostrava-se orgulhoso de poder se despedir fazendo aquilo que mais amava, em um projeto tão bonito.
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