Contos Brutais de Honra (Showa Zankyo-den – 1965)
Um dos aspectos imagéticos mais interessantes que um leigo pode captar neste pioneiro trabalho da Toei, dirigido por Kiyoshi Saeki, é o confronto entre duas gerações.
De um lado, os homens honrados, herdeiros do código samurai, que representam o espírito da tradição japonesa, simbolizado especialmente pelo personagem de Ken Takakura, com sua silenciosa expressividade, capaz de sacrificar seus amigos em respeito ao pedido de seu mestre no leito final. Do outro, mafiosos motorizados, com camisetas floridas, símbolo de uma cultura que já não é mais pura, capazes de desferir um tiro de revólver nas costas de um homem portando uma espada. O país devastado concluía a transformação de um Estado-nação tradicionalista para o capitalismo ocidental com todas as suas vantagens e desvantagens.
A trama do rapaz que retorna para casa e se vê inserido em um combate em que não se deve utilizar a violência, mesmo que para se defender, foi utilizada em diversos projetos, como no clássico de Bruce Lee: “O Dragão Chinês”. A tradicional catarse da vingança no clímax, após várias exibições agressivas de injustiça, sempre funciona.
É interessante notar que, no confronto final, quando os personagens de Takakura e Ryo Ikebe decidem encarar sozinhos toda a gangue, o primeiro utiliza sua espada, enquanto o segundo porta um revólver. A representação metafórica da união de duas gerações, onde nenhuma sairá ilesa, num sacrifício que possibilitará a esperança num futuro mais harmonioso, conduzindo à imagem final das pombas sobrevoando o templo, que nos remete ao deus japonês da guerra: Hachiman, que tinha a pomba como símbolo da paz que deve ser objetivada após uma batalha.
Com um formato inspirado nos filmes de gangsteres norte-americanos, os Ninkyo-eiga podem ser considerados uma evolução natural dos Chambara, com tramas que lidavam com os conflitos entre a gananciosa sede de poder e os códigos tradicionais de honra entre cavalheiros, colocando o herói sempre num dilema entre seus deveres e seus sentimentos pessoais. O antagonista do respeitável Yakuza era o gurentai, o mercado negro do pós-guerra da Era Showa, infratores sem nenhuma consideração pelo rigoroso código de honra dessa sociedade criminosa.
Esta visão romantizada dos membros da Yakuza seria radicalmente invertida nos Jitsuroko-eiga da década de 70, que passaram a mostrar os membros dessa sociedade como criminosos sem honra, cruéis, traiçoeiros, uma visão mais cínica e próxima dos anseios dos jovens estudantes japoneses que tomavam as ruas em protestos.