Pode ser que você não saiba quem é Monte Hellman, mas existem dois ídolos seus que você provavelmente não conheceria hoje caso ele não tivesse apostado em seus talentos. Jack Nicholson e Quentin Tarantino.

O americano que vive à margem de Hollywood iniciou sob o manto protetor criativo do genial Roger Corman, em “Beast from Haunted Cave”, de 1959, um típico produto exibido nos Drive-Ins da época. Nele se nota algumas das características do estilo do diretor, mas o elemento mais importante consiste na mescla consciente de dois gêneros, o filme de assalto e o terror, uma prática que Tarantino, que deve a realização de “Cães de Aluguel” à essencial ajuda de Hellman, acabaria adotando em sua carreira.

Em “Guerrilheiros do Pacífico”, de 1964, trabalhando com um jovem Nicholson, ele novamente investe no cinema de gênero, no caso o de guerra, como forma de propor discussões mais profundas.

Como autor ele ainda não está maduro, o desfecho insere, por exigência do estúdio, um discurso panfletário que simplesmente não combina com o que havia sido estabelecido até o momento. É interessante descobrir que, por causa do baixo orçamento, ele teve que usar bicicletas e cadeiras de rodas como os improvisados trilhos para a câmera, provando que a necessidade potencializa a inspiração criativa.

O diretor gentilmente concedeu uma entrevista exclusiva para o “Devo Tudo ao Cinema”, que compartilho agora com meus queridos leitores:

O – Monte, você começou experimentando sua técnica em filmes de gênero, com baixo orçamento. Sempre digo que a dificuldade é um terreno fértil para a criatividade, não é um empecilho, mas uma bênção. Como você definiria a relação entre o baixo orçamento e a criatividade especificamente nos filmes de gênero? Você poderia compartilhar com meus leitores algum exemplo de situação onde você teve que se forçar além dos limites financeiros, improvisando, como forma de finalizar uma cena? Você acredita que o terror/sci-fi pode se beneficiar de orçamentos baixos, o que possibilita ao cineasta a chance de correr riscos com ideias inesperadas, ousando encontrar novas possibilidades?

M – Ótima pergunta, Caruso. De forma geral, quanto menor for o orçamento, maior liberdade você tem. Dessa forma, com o roteiro sendo aprovado, há menos chances de ter alguém vigiando seu trabalho, espiando por trás do seu ombro em cada filmagem.

Claro, contanto que você se mantenha no cronograma, já que, caso contrário, tudo pode acontecer, você perde o controle. Eu não tinha conscientemente a experimentação como objetivo, nunca pensava nisso.

Em “Beast from Haunted Cave”, tudo de que me lembro era da dificuldade de se terminar cada dia. Ao longo de treze dias, com as câmeras constantemente congelando numa temperatura de dez graus abaixo de zero, aquilo era a única coisa que poderíamos pensar. Eu suponho que em “The Shooting” e “A Vingança do Pistoleiro”, os roteiros pediam mais do que o parâmetro de um típico filme de baixo orçamento.

Corman percebeu isso e chegou a pensar em cancelar as produções. Ele só reconsiderou quando descobriu que o cancelamento provavelmente iria custar mais para ele do que avançar com as produções.

devotudoaocinema.com.br - Entrevista exclusiva com o diretor norte-americano MONTE HELLMAN

O – Como você define a importância de Roger Corman em sua carreira? Há espaço na indústria atualmente para empreendedores como ele?

M – Eu provavelmente não teria uma carreira sem o Roger. Sempre há espaço para produtores dispostos ao risco de apostar em novos talentos. Só não há muitos como ele, que possuem a habilidade de reconhecer esses potenciais talentos.

O – Quais eram suas influências artísticas quando decidiu se tornar um cineasta? Você se recorda dos filmes que assistiu quando criança, aqueles que te iniciaram nesse mundo de sonhos, captando sua imaginação?

M – A minha maior referência artística foi Stanislavsky, cujo trabalho incitou em mim a ambição vaidosa de me tornar um artista. Os filmes que me inspiraram, quando criança e pré-adolescente, foram: os treze episódios do seriado para cinema de “O Cavaleiro Solitário”, “Tarzan”, “Fúria no Céu” (1941), “O Retrato de Jennie” (1948), “Duelo ao Sol”, “O Segredo das Jóias” (1950), “Um Lugar ao Sol” e “O Pária das Ilhas” (1951).

O – Eu imagino se você conhece o filme brasileiro “Filme Demência”, dirigido por Carlos Reichenbach, em 1986, em que ele faz uma homenagem a você, dando seu nome a uma marca de cigarros especialmente fortes. Você consegue mensurar sua importância para jovens cineastas de todas as nações? O impacto de seu trabalho em culturas diferentes. O que você pode dizer sobre a relação entre os críticos e o público, no tocante ao seu trabalho?

M – Eu nunca vi este filme, mas alguém uma vez me enviou um maço vazio dos cigarros usados na filmagem. É difícil mensurar, já que a indústria americana nunca teve espaço para o meu trabalho, tive que trabalhar fora dela. Eu só fui nomeado para a Academia há sete anos. Mas te digo que me sinto muito honrado quando jovens cineastas afirmam que meu trabalho os inspirou.

Os críticos estrangeiros, como você, me descobriram primeiro, mas agora eu sinto que sou respeitado igualmente pelos críticos americanos. Os críticos sempre gostaram mais dos meus filmes que o público. Basta você comparar as opiniões sobre “Caminho para o Nada” no Rotten Tomatoes e no IMDB.

O – É fácil enxergar sua marca, as características visuais em seus filmes, um estilo único de edição, uma rara qualidade. Existem detalhes específicos que você deixa claro para seu diretor de fotografia ao iniciar uma filmagem? O que você procura em uma tomada?

M – Eu demoro bastante tempo até encontrar um diretor de fotografia que enxergue da mesma forma que eu, mas, assim que encontro, continuo trabalhando com ele o máximo possível. Fiz quatro filmes com Gregory Sandor, até agora fiz três com Josep Civit. Falamos muito pouco na elaboração das cenas.

É uma questão de confiança. Quando ele me passa sua visão para a cena e percebo que ele captou a essência do que quero, não há nada mais a ser dito.

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O – Você teve a sensibilidade de enxergar em Warren Oates um potencial alcance de emoções, em uma época em que ele estava sendo estereotipado, com seu talento limitado pelos roteiros que recebia. Como em “Galo de Briga”, que acredito ser o melhor momento dele em cena, quando foi desafiado com o silêncio. Você pode abordar essa química que existia entre vocês, como se iniciou? E, dentre todos os filmes dele, qual a cena que você considera especialmente brilhante?

M – Tudo se inicia com a descoberta do ator. “Casting”, como o personagem Mitchell Haven gosta de dizer em “Caminho para o Nada”. Depois disso, assim como com o diretor de fotografia, poucas palavras precisam ser ditas.

A única direção que dei para Warren em “The Shooting” foi para que ele falasse mais alto em uma das cenas. Não por discordar de sua interpretação, mas porque nosso limitado equipamento não estava conseguindo gravar sua voz no nível que ele preferia. Uma das minhas cenas favoritas dele está em “Corrida Sem Fim”, quando seu personagem diz que se ele não fosse segurado no chão, ele iria entrar em órbita.

O – Eu gosto muito da forma como você argumenta sua recusa em utilizar o recurso do zoom, explicando que o olho humano não é capaz de fazer o mesmo. Você pode explicar melhor esse conceito? Quando você, conscientemente, integrou isso em suas rotinas de filmagem?

Às vezes usava o zoom em cenas como um trilho de pobre. Sempre soube disso inconscientemente, mas apenas comecei a utilizar a teoria como argumento quando passei a ensinar. Eu certamente sabia do poder do zoom como ótimo efeito cômico.

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O – Eu já assisti a “The Shooting” mais vezes do que consigo me lembrar. Eu adoro a aura onírica que você conseguiu neste filme. Sobre o desfecho, com a experimentação no tempo, diminuindo/congelando os frames, acredito ser a melhor versão imagética para aqueles segundos que antecedem o despertar de um sonho, ou, no caso do protagonista, um pesadelo existencialista Nietzschiano. O personagem de Oates encara a si próprio em seu abismo interior. Como você lida com as diferentes interpretações dos espectadores e críticos sobre suas obras?

M – O efeito onírico que menciona foi sugerido pela transmissão televisiva da eliminação de Lee Harvey Oswald. Eu não costumo pensar nas interpretações quando faço meus filmes. Sendo os temas realísticos ou surreais, minha abordagem é sempre literal. Kracauer chama de “redenção da realidade física”.

O público é meu colaborador final. Eu abraço cada interpretação individual de braços e coração abertos. Todas são igualmente válidas.

O – Como foi retornar para a indústria após vinte anos, com novas tecnologias e diferentes formas de distribuição e disseminação? Você acompanhou de perto as transformações no cinema através dos anos. Como essas mudanças influenciaram seu trabalho como professor em suas masterclasses?

M – Eu sempre achei que aprendi mais com meus alunos do que eles comigo. Mais importante, eles continuam me desafiando e me forçando a testar minhas teorias. Eu sempre me adaptei rápido às mudanças, então me sinto orgulhoso de que “Caminho para o Nada” tenha sido o primeiro projeto filmado com uma câmera DSLR.

O – Como você vê o futuro do cinema? Quais são os filmes recentes que você recomendaria?

M – Eu sou muito esperançoso com o futuro desta arte. Tem muito diretor que escolhe o caminho inverso da preguiça do cinemão mainstream. Gosto de muitos cineastas jovens, mas posso citar alguns filmes que vi recentemente e gostei bastante: “A Separação”, de Asghar Farhadi, “The Delay”, filme uruguaio de 2012, “Putty Hill”, de 2010, e “Três Macacos”, filme turco de 2008.

O – Finalizando o nosso papo, você poderia deixar uma mensagem especial para meus leitores?

M – Agradeço o interesse em meu trabalho, Caruso. E, para seus leitores: acreditem sempre em vocês mesmos, não deem atenção às opiniões dos outros.

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Viva você também este sonho...

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