Hoje escolhi abordar dois gêneros usualmente subestimados pela crítica, o faroeste e o filme de Artes Marciais, torcendo para que essas fitas ainda estivessem funcionando.
Hora de Matar (Il Momento di Uccidere – 1968)
O Punho Demolidor (Qi lin Zhang – 1973)
“Hora de Matar”, dirigido por Giuliano Carnimeo (o mesmo de “O Rato Humano”, já abordado nesse especial), foi, caso minha memória não esteja me pregando uma peça, o meu primeiro faroeste, fora os clássicos de John Wayne e os revisionistas modernos, como “Silverado”. Eu me lembro de ter estranhado o aspecto sujo da produção, aquelas roupas desgastadas e sem cor, que contrastavam bastante com aqueles figurinos coloridos de teatro infantil dos westerns americanos em Technicolor. Eu devia ter por volta de doze anos, costumava devorar aqueles livros de bolso que eram vendidos nas bancas de jornal, “Chumbo Quente” e “Oeste Beijo e Bala”, fazia coleção dos quadrinhos do “Tex”, alguns anos depois eu conheci “Blueberry”, enfim, adorava o gênero. Nem preciso dizer que um de meus videogames preferidos é “Red Dead Redemption”.
E esses filmes realizados na Itália transmitiam uma realidade muito próxima daquele universo que eu alimentava em minha imaginação. Os roteiros podiam não ser tão elaborados, mas compensavam em outros elementos, como ação e trilha sonora. “Walk by my Side”, composta por Francesco de Masi, que emoldura os créditos iniciais, gruda no
ouvido e você fica cantarolando pela casa. Gostava especialmente da cena de tiroteio no bar, mérito do diretor de fotografia Stelvio Massi, em que o personagem vivido por George Hilton utiliza os espelhos como forma de fazer o oponente gastar sua munição. Analisando hoje, a trama é fraca e convencional, o filme é ruim, mas o terceiro ato conduz a uma revelação final bem interessante.
Como posso esquecer o dia em que adquiri o VHS de “O Punho Demolidor”? Um símbolo de uma época sem internet, onde era difícil conseguir informação sobre qualquer assunto, ainda mais os obscuros. Eu sabia que o Bruce Lee tinha completado apenas quatro filmes em sua fase madura, já tinha adicionado todos na minha videoteca, mas aquela capa bizarra estampava sua imagem, levando a crer que ele fazia parte do elenco, e informava que ele tinha dirigido o filme. Até hoje lamento o valor irrisório que gastei. Voltei para casa e, nem esperei muito, coloquei a fita para rodar no aparelho.
A sensação, impossível de descrever, era de intenso estranhamento. Além de estar numa qualidade de imagem horrorosa, a trama era lamentável, arrastada, com um protagonista sem o mínimo de carisma necessário, em suma, uma tragédia. E, o que mais me incomodava, eu não tinha reconhecido o Bruce Lee nas cenas. Nos últimos segundos, quando já estava me dirigindo pra frente da televisão, pronto para ejetar aquela fita e
tacá-la pela janela, uma inserção rápida, com alguém que parecia o saudoso dragão abraçado a uma criança em um set de filmagem. Meus olhos esbugalharam, encostei o rosto na tela de dezesseis polegadas e apertei o rew.
Anos depois, com uma pesquisa rápida na internet, descobri que ele apenas aceitou ajudar na coreografia das cenas de luta, pela amizade de infância que tinha com o protagonista Sheau Chyh Lin, mas que odiou o resultado e a forma como a produção tentou capitalizar utilizando sua fama. A produtora Starsea Motion Pictures ofereceu a oportunidade para o rapaz, desconhecido como ator e lutador, com a garantia de que ele iria dar um jeito de colocar Lee no projeto. A tal cena que descrevi, por incrível que pareça, foi filmada secretamente, enquanto o astro ajudava nas filmagens.
Uma exploração que não seria a única na carreira dele, já que, mesmo após sua morte, os estúdios continuariam realizando filmes com sósias, “Bruce Li”, “Bruce Le” e “Dragon Lee”, entre outros, um fenômeno curioso e de extremo mau gosto.