1 – Ela (Her), de Spike Jonze
O que nos faz humanos? A capacidade de sermos afetados pelo outro, sentir compaixão e desejo. O protagonista vivido por Joaquin Phoenix trabalha inserindo emoções no subconsciente de estranhos, criando cartas escritas à mão para seus clientes. O futuro se mostra através de aparatos tecnológicos requintados, mas a realidade dos homens é exatamente a que vivemos hoje: pessoas que se cruzam nas ruas e não se encaram; corpos carentes de calor humano mesmo quando próximos. A terrível solidão que se experimenta em grupo. Num toque de gênio, Jonze encaminha o protagonista a uma situação crucial, onde tendo a opção de, com a permissão de sua parceira, experimentar o sexo fisicamente com uma substituta, ele a considera algo menos real, incapaz de emular com ela os sentimentos que compartilha diariamente com Samantha…
2 – Boyhood – Da Infância à Juventude (Boyhood), de Richard Linklater
Parafraseando John Lennon, a vida é aquilo que acontece enquanto você está ocupado com outros planos. A breve e cruel experiência do aprender a desapegar, necessitando superar obstáculos que nos surpreendem nos momentos mais improváveis. Uma sucessão de erros e acertos cometidos por estranhos seres complexos que se descobrem compartilhando um mesmo universo de incertezas, unidos em uma sinfonia diária de perguntas cujas respostas nunca são encontradas. O diretor Richard Linklater ousou tentar decodificar esse enigma existencial em um projeto ambicioso em escala, mas com uma sensibilidade minimalista, capturando ao longo de quase doze anos as mudanças na vida do protagonista, a jornada fascinante que o leva da inocência de sua infância à maturidade precoce em sua juventude. O filme é impressionante na forma como nos faz refletir sobre nossas próprias vidas, sem apelar para os recursos emocionais tradicionais, resultando em um lindo e único retrato proustiano das várias etapas na formação do homem…
3 – Até o Fim (All is Lost), de J.C. Chandor
É espantosa a precisão de Chandor, responsável pelo roteiro e direção, ao narrar essa batalha do homem contra as forças da natureza. Tendo passado por uma experiência quase fatal na adolescência, quando conseguiu se desprender das ferragens de seu carro, após uma forte colisão, ele constrói nesse filme uma fascinante parábola sobre a fragilidade da mortalidade, sobre a beleza triste de um homem que lamenta sua própria finitude. Ponto
essencial de ruptura: Não precisamos nos conectar emocionalmente com o personagem. O roteiro não perde tempo em flashbacks idílicos, sequer introduz dicas consideráveis sobre a vida do homem de quem não sabemos o nome. A Virginia Jean que dá nome ao barco pode ser sua esposa, sua mãe, sua filha ou ninguém em especial, não importa. O anel em seu dedo pode ser uma aliança, como também pode não simbolizar coisa alguma…
4 – O Homem Duplicado (Enemy), de Denis Villeneuve
O roteiro capta sutis analogias do autor ao totalitarismo e, como em toda fábula, as potencializa generosamente. Conhecemos o professor exatamente enquanto ele tentava ensinar aos seus alunos sobre a obsessão do Estado em controlar o povo, entregando pão e circo e mantendo-os ignorantes, pois é mais fácil manipular um gado com preguiça de pensar. Como educador, ele é o principal alvo daqueles que tencionam o regime ditatorial, já que é o responsável por incitar nos jovens o estímulo ao questionamento. Tomadas rápidas mostram o que parece ser uma teia de aranha sobre a cidade, ilusão criada pelo ângulo da câmera ao focar simples cabos elétricos. Em outro momento, uma rápida tomada aérea transforma vários prédios em um imenso labirinto, reforçando a batalha diária dos indivíduos que se espremem pelos corredores, muitas vezes sem encontrar sentido para tal esforço. Uma teia que anestesia enquanto sufoca gradativamente sua vítima…
5 – O Grande Hotel Budapeste (The Grand Hotel Budapest), de Wes Anderson
Existe um pouco da elegância cômica de Ernst Lubitsch, uma melancolia que ecoa a de O Tempo Redescoberto de Marcel Proust, criativas gags sonoras que remetem a Jacques Tati, uma respeitosa reverência à fictícia Freedonia dos Irmãos Marx, até mais explicitamente uma homenagem a Blake Edwards, em uma das situações mais engraçadas no terceiro ato e na inspiração em Clouseau, eterno Peter Sellers, nos trejeitos do personagem de Ralph
Fiennes, mas também vejo grande similaridade com a abordagem metafórica, proposta por Vicki Baum em seu livro Grande Hotel, do estabelecimento de hospedagem como um microcosmo humano, um personagem que respira e evolui na história. O aspecto fabulesco, realçado pelo estilo visual inimitável do diretor, com a fotografia do usual parceiro Robert Yeoman, e pelo constante uso dos cenários pintados na paisagem, evidencia ainda mais a contundência emocional da mensagem, que se revela cada vez mais tocante em revisões…
6 – Garota Exemplar (Gone Girl), de David Fincher
Falar sobre a trama, nesse caso, é um desserviço à obra, que se beneficia com a ignorância do espectador. A desconstrução de um modo de vida, onde o diretor flerta cinicamente com os clichês do gênero, exibindo a ferida aberta na imprensa sensacionalista, a manipulação da opinião pública, a teatralidade das investigações do desaparecimento da jovem, elemento que se confunde à teatralidade nos relacionamentos, simbolizado pelo ritual do
casamento…
7 – O Lobo Atrás da Porta, de Fernando Coimbra
O filme é autoral e minimalista, mas inteligentemente não é anti-indústria. O impactante resultado final incita naturalmente o boca a boca no espectador, mérito exatamente das convenções do gênero bem executadas que a obra abraça. Não saberia por onde começar os elogios às atuações de Leandra Leal e Milhem Cortaz. A bela e talentosa atriz entrega um desempenho assustador, transmitindo na sutileza de olhares a vulnerabilidade da personagem, atravessando os diversos estágios psicológicos de seu arco narrativo, indo da doçura à intensa crueldade em questão de segundos. Até mesmo o personagem vivido por Emiliano Queiroz, aparecendo pouco e sem dizer uma palavra, acaba se mostrando narrativamente essencial no entendimento do enigma comportamental que envolve a protagonista…
8 – A Balada de um Homem Comum (Inside Llewin Davis), de Joel e Ethan Coen
Com uma direção de fotografia inspirada na capa do disco The Freewheelin, de Bob Dylan, a trama, com toques do humor característico dos irmãos Coen, evidencia a angústia diária de um músico criativo enfrentando a mediocridade em sua indústria, que celebra canções padronizadas defendidas por artistas de barro, sem personalidade e estofo cultural. A narrativa conscientemente lenta, com todas as canções apresentadas na íntegra, estabelece um tom quase fúnebre, como se estivéssemos assistindo a gradativa morte dos sonhos profissionais do personagem, que, incapaz de conviver em harmonia com seus semelhantes, acaba se entregando emocionalmente ao elemento inesperado, um gato que cruza seu caminho por acidente. Mas o sorriso se mantém no rosto do espectador, já que seu fracasso consiste em não se vender para o esquema asqueroso do mercado. Mesmo perdendo, ele está ganhando…
9 – Sobrevivente (Djúpið), de Baltasar Kormákur
O sentimento de desajuste social, sua timidez perante as câmeras, sua resiliência ao negar qualquer modificação pessoal causada pela tragédia, são elementos que demonstram a negação consciente do protagonista em ser transformado em um estereótipo de heroísmo por estranhos financeiramente interessados na eterna lembrança de sua desgraça. Ele viveu um momento ruim, mas isso não modificou sua essência, não fez com que ele se tornasse alguém mais interessante socialmente. Como ele mesmo insinua em uma cena, ninguém realmente se importa com o que aconteceu, tudo não passa de uma estatística midiática para preencher temporariamente as páginas dos jornais com manchetes sensacionalistas. Gulli nunca temeu a morte e recusa a falsidade daqueles que se aproximam dele pelo herói que ele nunca foi, ele quer apenas ser esquecido pelos urubus sociais, voltar ao trabalho e ao convívio diário com seu cachorro…
10 – Guardiões da Galáxia (Guardians of the Galaxy), de James Gunn
Ao se conectar com seu passado através de um objeto tão frágil como um toca-fitas, Quill nos evidencia que sua anarquia é uma resposta imatura para os obstáculos da vida adulta. A lembrança triste da morte de sua infância, com seu desapegar forçado da mãe, não pode ser empecilho para a aceitação de sua missão ao lado de seus novos amigos. Somente quando ele abraça essa constatação, optando por verter a lágrima ao invés de retê-la, o jovem se mostra preparado para singrar o espaço sideral, como Luke Skywalker ao aceitar deixar seu conforto para acompanhar Ben Kenobi. É o clássico conto de amadurecimento que se repete a cada geração…
Otavio, listas são ótimas e muito legais. Segue a minha…
1 – Vidas ao Vento
2 – O Lobo Atrás da Porta
3 – O Lobo de Wall Street
4 – Ela
5 – Boyhood
6 – Nebraska
7 – Instinto Materno
8 – Quando eu Era Vivo
9 – Ida
10 – Inside Llewyn Davis