Livre (Wild – 2014)
Após o falecimento de sua mãe, um divórcio e uma fase de autodestruição, Cheryl decide mudar e investir em uma nova vida junto à natureza selvagem. Para isso, ela se aventura em uma trilha de 1100 milhas pela costa do Oceano Pacífico.
O roteiro de Nick Hornby insere os fragmentos de memória da personagem, inteligentemente evitando o erro de querer explicar tudo, elaborando cenas que parecem intencionar confundir a percepção do público sobre as suas possíveis motivações emocionais, falhando apenas no excesso de narrações e em algumas soluções visuais convencionais.
Outro problema da produção é a atuação de Reese Witherspoon, que convence nos momentos que precedem sua jornada, como em sua interação com a mãe, vivida por Laura Dern, mas não consegue expressar a turbulência mental, as variações psicológicas de alguém que é levado ao extremo, deixando a impressão de que estamos assistindo a uma “Barbie no Deserto”, cujo corpo maquiado nunca se queima com o sol. Uma versão light e inverossímil do excelente “Na Natureza Selvagem”, de Sean Penn.
O projeto foi trabalhado na medida para o reconhecimento da Academia, mas a necessidade de colocar cada atitude em sua aventura em contexto com o passado da personagem acaba travando qualquer conexão empática. Existem exceções, como a bela analogia simbolizada na cena em que a jovem luta desesperadamente para ficar de pé, aguentando o peso de sua mochila, como um bebê que aprende a andar, ela terá que reiniciar todo o seu sistema pessoal, reaprender a enxergar a vida utilizando seus instintos mais primais, como forma de expurgar seus erros.
O tom da cena é, de forma canhestra, cômico pastelão, mas prefiro relevar e acreditar que existia uma ambição metafórica nela. Mas, infelizmente, o diretor Jean-Marc Vallée opta na maior parte do tempo pela tradicional câmera que minimiza a atriz na imensidão do cenário, talvez, por saber que seria arriscado manter o foco no rosto dela, ficando dependente de seu talento limitado. A intensa transformação interna que ocorre ao final existe apenas em teoria, somente porque a personagem nos informa disso, já que não há nada no filme que evidencie estarmos diante de alguém narrativamente mais maduro/evoluído.
Os perigos que a jovem encontra, de cobras a tentativas de abuso, são apresentados de forma preguiçosa, sendo facilmente esquecidos pelo roteiro, e, por conseguinte, pela personagem, com uma canção melodramática, virando a página para um novo obstáculo, sem nunca sentirmos realmente que ela está em perigo.
A ideia de uma pessoa, sem nenhum conhecimento básico sobre acampamento, aparentemente incapaz de fritar um ovo e esquentar água, decidir se aventurar em uma caminhada solitária por três meses, atravessando os locais mais inóspitos possíveis, por mais que seja a adaptação de uma autobiografia, soa incrivelmente estúpida.
Ao invés de reutilizar as tradicionais tomadas lúdicas do amplo cenário, sequências que constam no manual de como se filmar uma jornada de autodescobrimento, o filme poderia se aprofundar nas consequências emocionais de cada obstáculo superado, construindo alguém tridimensional com quem o público pudesse se identificar.