A Cura (The Cure – 1995)
* O texto contém spoilers, então recomendo que seja lido após a sessão.
O filme, dirigido por Peter Horton, é um dos mais tocantes que passavam na Sessão da Tarde dos anos 90.
Na trama, um menino, no amanhecer ensolarado de sua vida, por causa de uma transfusão, contrai o vírus da imunodeficiência humana. O seu vizinho, alguns anos mais velho, é a única pessoa que não o enxerga como algo a ser evitado, o único que, mesmo sem compreender a doença, percebe a beleza da rosa sem olhar para os espinhos.
É interessante a forma como o roteiro trabalha a antítese de conduta entre as mães dos meninos. A mãe do mais velho, uma mulher fútil, grosseira, deixa-o sempre sozinho, e, sem pestanejar, debocha cruelmente do ex-marido na frente do filho, porém, como todos os hipócritas, faz questão de desligar o videogame dele, afirmando que aquela violência fará mal.
O ato equivocado de projetar as falhas pessoais, colocando a culpa no entretenimento, na necessária válvula de escape, algo que ocorre ainda hoje, estimulado por profissionais irresponsáveis que vão a programas televisivos sensacionalistas.
A mulher é incapaz de olhar para o filho na mesa de jantar, detalhe que a câmera evidencia, enquanto folheia seu jornal. Ela chega a exigir que o filho invente uma desculpa, caso o vizinho o convide para brincar em sua casa.
Uma adulta estúpida, com a responsabilidade de educar uma criança madura e emocionalmente inteligente; como é salientado subliminarmente no roteiro, um caso clássico de parentalidade irresponsável. Em contrapartida, a mãe do menino doente, vivida impecavelmente por Annabella Sciorra, é brincalhona e despojada, sempre se jogando no chão para participar das brincadeiras do filho.
Eu gosto especialmente de uma cena, em que o menino mais velho, conversando com o mais novo, afirma que sua avó contou que quem tem a doença vai para o inferno, evidenciando o fanatismo religioso dela.
O raciocínio do menino mais novo é fantástico: “a sua avó deve ser um gênio, porque o meu médico, que é muito inteligente, disse que ninguém sabe o que existe após o falecimento”. De forma elegante, utilizando como veículo a inocência de uma criança, o filme desfere um golpe poderoso no preconceito.
É emocionante a forma como o amigo tenta descobrir a cura em medicamentos alternativos, com doces e plantas, colocando o garoto como cobaia de várias experiências gustativas traumatizantes, com reações hilárias. A dedicação se intensifica quando, ao folhear as páginas de um jornal sensacionalista, encontra uma reportagem sobre um pesquisador que descobriu a cura, uma manchete próxima a de um relato de um OVNI.
A empolgação dos meninos emociona a mãe, cada vez mais apegada ao amigo do filho. Quando ele menos espera, em um descompromissado passeio no mercado, o garoto se choca ao receber um beijo carinhoso daquela mulher, tão diferente de sua mãe. A forma como ele reage, a constatação muda de um sentimento que nunca havia experimentado em sua casa.
A gratidão de uma mãe, feliz por ele querer passar tempo com seu filho, brincando com ele sem nenhum cuidado especial, sem pena. Aos olhos do garoto mais velho, não importava o que a sociedade dizia, o seu melhor amigo nunca foi doente.
Ao final, ele confessa para aquela mulher que desejaria ter como mãe, sua frustração por acreditar que deveria ter tentado mais encontrar a cura. A mãe, com o coração partido, abraça o novo filho, afirmando que ele já havia sido o maior presente na vida do menino, que ficava muito feliz em sua companhia, um cometa, de passagem tão breve, porém, cujo impacto modificou profundamente a vida dos dois para sempre.