Estes são apenas alguns dos meus filmes favoritos sobre assuntos relacionados à psicologia em variadas vertentes. Tentei evitar o lugar comum de listas similares, fiz questão de rever todos, no intuito de selecionar com mais clareza. A lista não está em ordem de preferência.
Através de Um Espelho (Såsom I En Spegel – 1961)
O primeiro projeto da hoje conhecida como “Trilogia do Silêncio”, que prefiro chamar de “Trilogia da Fé”, mostra Ingmar Bergman em seu estado mais objetivo, mas, ainda assim, flertando com metáforas. Analisando os três filmes, podemos claramente perceber os questionamentos do cineasta com relação a uma divindade aparentemente muda, invisível em meio aos destroços da guerra, a natureza da fé trabalhada por um ateu. A trama simples utiliza o microcosmo de uma família que passa férias em uma paradisíaca ilha. Karin (Harriet Andersson) acaba de voltar de uma estadia forçada em um hospital psiquiátrico, ainda apresentando sinais de profundo desequilíbrio emocional. O seu marido, vivido por Max von Sydow, seu carente irmão mais novo (Lars Passgård) e seu pai, um homem tão imerso em sua ambição profissional literária, universo em que extravasa suas angústias, sem nunca ter coragem suficiente para resolvê-las, que foi incapaz de estabelecer uma relação de carinho com seus filhos.
Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (Eternal Sunshine of The Spotless Mind – 2004)
Na Grécia antiga, berço da filosofia, Heráclito afirmava metaforicamente que nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio. O existir é um perpétuo mudar, um constante fluir. Já Parmênides de Eleia, povo pioneiro no uso da dialética, contestava-o afirmando que o ser é único, eterno, imutável, imóvel e infinito. Ele dividia o mundo em sensível, aquele que conhecemos pelos sentidos, e inteligível, mundo que não vemos e não tocamos, mas compreendemos. John Locke argumentava que a identidade do ser, não era definida por características físicas, mas sim por repetida autoidentificação. Logo, a memória torna-se essencial na construção do ser. O que aconteceria caso o homem pudesse manipulá-la, de forma a aniquilar elementos que o fizeram tornar-se quem ele é? Apagar da mente aqueles eventos que ajudaram a construir sua personalidade, afetaria a forma como o ser lidaria com o seu habitat? O filme, dirigido por Michael Gondry, abre esta importante discussão, contando a história do casal Joel (Jim Carrey) e Clementine (Kate Winslet).
Minha Vida em Cor-de-Rosa (Ma Vie en Rose – 1997)
A primeira sequência do filme já expõe o leitmotiv que conduz a sensível trama. Enquanto os pais de Jerome escondem ritualisticamente em seus uniformes diários a ausência do calor que outrora havia em seu relacionamento, os pais de Ludovic se entregam à vida naturalmente e com real paixão, com o diretor de arte expondo claramente o contraste na paleta de cores que emolduram as cenas. O primeiro momento em que realmente vemos o menino, somos levados a sentir o mesmo choque que seus pais, pois ele está usando o vestido de princesa de sua irmã. O seu pai, temeroso pelo julgamento cruel da sociedade, limita sua corajosa atitude a uma brincadeira inconsequente. A sua mãe corre para fazê-lo retirar com água fria a maquiagem de seu rosto. No rosto da criança, a apatia dos que sofrem diariamente com a ignorância daqueles que deveriam ser mais inteligentes, por terem mais experiência de vida.
A Caça (Jagten – 2012)
A bela fotografia de Charlotte Bruus Christensen auxilia ao emoldurar o cair das folhas de outono, inclusive como metáfora, simbolizando o crepúsculo de um homem oprimido, sendo complementada pela excelente interpretação de Mads Mikkelsen, que foge de sua zona de conforto, oferecendo um retrato humano e passional nesse excelente filme dirigido por Thomas Vinterberg. Nenhuma chance é dada a ele, pois todas as famílias da região agarram-se ao inconsciente coletivo do pavor, temendo que ele se aproxime de suas crianças. Lucas (Mads) é um homem bom, adorado por seu filho e seus alunos, incapaz de cometer atos tão cruéis. Somos levados então a um calvário pessoal, em que progressivamente todos os membros da comunidade passam a duvidar de sua inocência.
A Experiência (Das Experiment – 2001)
O diretor Oliver Hirschbiegel adapta o romance de Mario Giordano e o transforma em uma experiência cinematográfica angustiante. Saber que se trata de uma história real, ajuda a fazer com que nossos olhos evitem piscar, enquanto somos sugados para dentro da trama. Uma equipe de cientistas convoca vinte homens de diferentes origens para uma experiência psicológica em troca de um prêmio em dinheiro. Os participantes são colocados em uma prisão e divididos aleatoriamente em dois grupos: oito deles fazem o papel de guardas e os outros doze, de internos. Os presos devem obedecer às regras impostas pelos colegas que representam figuras de autoridade. No início, a camaradagem reina no ambiente. Mas em pouco tempo, os falsos guardas mudam de comportamento e a violência, mesmo que proibida, preenche as lacunas. Os internos vão se tornando cada vez mais submissos e os guardas cada vez mais agressivos. Um estudo psicológico sobre o comportamento humano sem precedentes e uma obra que dificilmente sairá de sua mente.
O Enigma de Kaspar Hauser (Jeder für sich und Gott gegen Alle – 1974)
O título original do filme: “Cada um por si e Deus contra todos” exprime com exatidão a mensagem desta obra sensacional do alemão Werner Herzog. Ele utiliza a história real do jovem Kaspar Hauser, que durante grande parte de sua vida foi mantido em um cativeiro, sem nenhum contato com a civilização. Ele não sabia andar ou se comunicar, tampouco entendia que havia outros seres como ele. Como trocavam sua comida durante seu sono, ele acreditava que sua alimentação aparecia como que por mágica, sempre após ele fechar os olhos. O seu único companheiro era um pequeno cavalo de madeira. A sua vida muda quando um homem adentra sua prisão e o entrega de volta à sociedade, deixando-o de pé no meio de uma praça na cidade de Hamburgo. Munido apenas de uma carta e um livro de orações, o jovem vislumbra pela primeira vez o mundo.
Zelig (1983)
Em sua genialidade, Woody Allen estrutura este filme como um documentário sobre Leonard Zelig, um (literalmente) camaleão social da década de vinte. Sem nenhum esforço, ele é capaz de adotar características físicas e mentais de qualquer pessoa com quem se relacionar. Ao lado de franceses, ele conversa fluentemente em francês, com direito até ao clássico bigodinho fino. Mas o que realmente fascina no roteiro é a forma como o personagem se adapta socialmente, como quando discute jargões de medicina ao lado de doutores, com total conhecimento sobre a área. A crítica é certeira, mostrando como as pessoas se moldam, até o caráter, no intuito de agradar e serem aceitas.
O Milagre de Anne Sullivan (The Miracle Worker – 1962)
Este belíssimo filme conta a história real da professora, vivida por Anne Bancroft, que busca incessantemente mostrar as belezas do mundo a uma menina cega e surda, a jovem Helen Keller, uma atuação impressionante de Patty Duke, que já estava vivendo a personagem nos palcos, contracenando com Bancroft. Com muita persistência, ela consegue retirar a garota de uma realidade solitária e depressiva, levando-a a adaptar-se ao mundo, fazendo-a conseguir se expressar. E foi preciso pulso firme por parte de Anne, pois a família da jovem havia contribuído para que ela se colocasse em um pedestal, como revoltada vítima das circunstâncias, da qual foi retirada por intermédio de uma rígida disciplina amorosa.
O Segundo Rosto (Seconds – 1966)
Em sua essência, um pesadelo Faustiano dos mais assustadores. Uma resposta corajosa para a eterna questão: o que você faria se lhe fosse ofertada uma segunda oportunidade na vida? É o que descobre o personagem vivido por John Randolph, quando é convidado a participar de um enigmático projeto. Já tendo passado dos cinquenta anos e dedicado toda sua vida ao trabalho exaustivo, possui uma oportunidade única de renascer com uma nova identidade. Com o auxílio de cirurgias plásticas, recebe sua jovialidade de volta e a liberdade para evitar cometer os mesmos erros. Rock Hudson interpreta o personagem após o renascimento, com uma entrega raras vezes experimentada pelo ator, acostumado na época ao conforto dos papéis de galã.
Esse Mundo é dos Loucos (Le Roi de Coeur – 1966)
A trama desta charmosa fábula antimilitarista parte de um conceito simples, instigando uma profunda reflexão que, a despeito da estética compreensivelmente datada, ainda ressoa implacavelmente atual. Durante a Primeira Guerra, o soldado Charles Plumpick, vivido por Alan Bates, um especialista em ornitologia, é enviado por engano a um vilarejo na França para desativar uma bomba deixada pelos alemães. Ao chegar, ele percebe que os moradores do local foram embora e que a cidade foi tomada pelos pacientes de um hospício.
Muitíssimo bem escrito cada consideração, ADOREI nota 1000!