O Ídolo Caído (The Fallen Idol – 1948)
Phillipe, filho de um diplomata, faz amizade com Baines (Ralph Richardson), o mordomo da embaixada. Baines conta-lhe tremendas histórias, em que sobressai seu heroísmo, e torna-se o ídolo do garoto. Quando a esposa falece, o menino começa a suspeitar dele. Daí, para protegê-lo, Phillipe tenta confundir a polícia com pistas inventadas.
O filme, parcialmente financiado por David Selznick, foi o primeiro de três produções importantes que resultaram da parceria entre o diretor Carol Reed e o escritor Graham Greene. Normalmente eclipsado pelo célebre “O Terceiro Homem”, esse precioso thriller, contado pelo ponto de vista de um menino de oito anos, merece ser mais celebrado.
O que me encanta nele é a forma como o roteiro se divide em duas realidades: os eventos como realmente são, em sua simplicidade desinteressante, e os mesmos eventos absorvidos e codificados pela inocência da criança, vivida de forma impecável por Bobby Henrey. E esta particularidade da obra ganha pontos com a opção tradicional de Reed pelo enquadramento com ângulos inclinados, o “Dutch Angle”, que sempre agrega estranhamento e um senso onírico às cenas.
Esta dualidade é muito bem representada na trilha sonora de William Alwyn, injustamente pouco lembrado hoje em dia, como na cena em que o menino flagra o encontro do mordomo com sua amante, vivida por Michèle Morgan, com o compositor traduzindo o sentimento da paixão reprimida com uma base delicada no violoncelo, respondida por uma variação do tema principal no violino, numa representação das emoções que estão em jogo no momento.
A amizade entre o garoto e o mordomo nasce de uma profunda identificação, um sentimento de solidão que ambos compartilham: o adulto que se sente preso a uma relação conjugal vazia; a criança que não conheceu a mãe e que tem, na figura do pai, a dor da ausência de alguém que prioriza o trabalho e vive fora de casa.
A Sra. Baines, impecável Sonia Dresdel, inicialmente mostrada nas sombras, deveria constar nas listas de personagens mais cruéis do cinema, exercendo pura insensibilidade sádica como forma de extravasar sua frustração matrimonial.