Estava eu, um magricela de óculos, com pouco mais de quatorze anos de idade, procurando um raríssimo filme russo que conheci lendo a biografia de um cineasta. O livro já foi uma dificuldade para achar, pois não tinha sido lançado traduzido por aqui. Pedi para um parente trazer de uma viagem ao exterior. Mas o que importa é o filme. Só tinha o título original, ano de lançamento e poucas informações, como sinopse e alguns atores que compunham o elenco.
Na época pré-internet, dúvidas deste tipo nós tentávamos elucidar perguntando aos mais velhos da família ou, com sorte, alguns amigos próximos que também apreciassem o tema. Eu fui com meus pais em todas as locadoras do bairro, mas nenhuma tinha esta relíquia. Na maioria, nem sabiam da existência dele. Aproveitava qualquer oportunidade de passeio fora da minha área de atuação, escola-casa, para explorar as locadoras em busca deste Graal. Mesmo depois de quase cinco meses, minha cruzada não havia trazido frutos.
O dono de uma locadora com ótimo acervo de clássicos europeus conhecia o filme, mas me informou que era impossível achar uma cópia dele em VHS no Brasil. Eu chegava a sonhar com as cenas criadas pela minha imaginação, já que no livro não tinha nenhuma foto da produção. Será que ele era tão bom quanto imaginava no meu roteiro em parceria com Morfeu?
Eu continuei procurando, tentei reservar com um dono de locadora com jeitão meio mafioso, que disse que conseguiria uma cópia, sem legenda, numa remessa que iria receber. A minha mãe pagou adiantado o considerável preço cobrado e ele nunca me trouxe a tal fita. Esperei dois anos para que meu parente viajasse novamente ao exterior, para escutar ele dizer que nas lojas de lá ele também não tinha encontrado. Exatamente quatro longos anos após minha procura inicial, desisti oficialmente de achar o tal filme.
Alguns anos atrás, por curiosidade nostálgica, após lembrar o nome da obra numa conversa divertida em família, coloquei o nome do filme russo no Google (Sadko – 1953) e, voilà, eu encontrei umas dez formas de se baixar, com imagem em alta definição e com legendas em português e inglês. Dez minutos depois estava finalmente assistindo a ele, confortavelmente sentado, com uma taça de vinho ao lado. E, noventa minutos depois, descubro surpreso que o filme é incrivelmente, terrivelmente RUIM.
Eu continuo me lembrando, com fascínio e ternura, da minha infância passeando pelas locadoras de vídeo, em meu primeiro livro, inclusive, utilizei bastante estas memórias afetivas, mas compreendo a razão que as levou a se tornarem hoje uma relíquia empoeirada. Pagando o valor de um misto com café com leite na padaria, posso ter ao alcance dos dedos um ótimo acervo no Netflix, por exemplo, ou sem pagar nada, baixando no computador ou revendo completos no Youtube aqueles clássicos mais difíceis de encontrar.
A locadora, como genérica distribuidora de mercadorias, não resiste hoje. Mas existe algo nela que nenhum download satisfaz: o aspecto humano.
O atendente que realmente entende do assunto, guiando o cliente em suas escolhas. O dono/curador, que busca sempre melhorar o acervo, organizando os filmes por diretor ou elenco, dando a mesma atenção para os blockbusters e os clássicos europeus.
Aquele que corajosamente abrir uma locadora hoje precisa ser um apaixonado pela sétima arte. E, posso garantir, não existe nada mais prazeroso que adentrar uma locadora por curiosidade e perceber que se ficou mais de uma hora conversando com o atendente e seus clientes, sobre os filmes do Sokurov e a importância da fotografia nos projetos do Bergman. Posso garantir, pois aconteceu várias vezes comigo.
Então, como uma pincelada final, afirmo que é puramente compreensível a extinção das locadoras de vídeo neste mundo em que as informações estão felizmente ao rápido alcance dos dedos. Mas o que nós, cinéfilos apaixonados e aqueles interessados em adentrar este mundo, perdemos com esta facilidade?
Não seria uma solução melhor, por exemplo, aprimorar o conceito destes estabelecimentos, potencializando o valor do aspecto humano, deixando de vê-los como simples mercados de filmes? Existem bravos guerreiros que se mantém firmes na batalha… E este texto eu dedico com todo carinho a eles.
(Na foto abaixo, estou com o amigo Ricardo, dono da “RG Vídeo”, de Vila Isabel – RJ, a locadora da minha infância, no ano de 2015, poucas semanas antes dela fechar)
Boa! Na minha cidade tem duas locadoras e ate pouco tempo eu ainda alugava filmes la, o lugar é deserto, mas a sensacao de entrar e ficar passeando nos corredores é muito boa.
Dathy Vídeo, no Brooklin, em São Paulo deixou boas lembranças!