El Cid (1961)
A trajetória de Rodrigo Diaz de Bivar, mais conhecido como El Cid, herói espanhol do século XI que uniu os católicos e os mouros do seu país para lutar contra um inimigo comum: o emir Ben Yussuf (Herbert Lom).
(Texto escrito em 2016, durante o governo de Dilma Rousseff)
O Brasil vive um momento político complicado, com uma parcela expressiva, ainda que minoritária, de seu povo praticando a duvidosa arte da dissonância cognitiva, por pura ingenuidade ou inescrupulosa esperteza, celebrando a completa inversão de valores. Os mais lúcidos buscam uma réstia de ética que traga alguma esperança.
Como terapia desintoxicante intensiva, eu escolhi rever um dos épicos mais bonitos da história do cinema, dirigido pelo mestre Anthony Mann, protagonizado por Charlton Heston e Sophia Loren, o emocionante “El Cid”, a saga de um homem digno, honrado e corajoso, valores essenciais que precisam ser resgatados por boa parte do povo brasileiro.
Ao final da sessão, lágrimas no rosto e a gratidão de, por três preciosas horas, ter sido conduzido a uma elegante e bela realidade preenchida pela nobreza de caráter do protagonista, defendendo diálogos ricos em simbologia, envoltos por uma trilha sonora encantadora de Miklós Rózsa. Um contexto bem diferente de quando conheci o filme, ainda na época do VHS duplo, com uma péssima qualidade de imagem.
Quando o produtor Samuel Bronston comprou os direitos que estavam com o diretor espanhol Rafael Gil, ele intensificou os elementos de romance e aventura, desprezando a abordagem mais fria do roteiro original, escalando Heston como garantia de empatia com o público, logo após o sucesso arrebatador de “Ben-Hur”. Mann chegou a cogitar colocar a esposa Sara Montiel no papel de Ximena, mas acabou aceitando a sugestão de Bronston, escalando Loren.
O vilão mais óbvio, vivido por Herbert Lom, é unidimensional como um capanga da franquia 007, talvez o único ponto realmente negativo. Só que, analisando com mais cuidado, o real antagonista é plenamente desenvolvido, o rei Alfonso, cujo arco narrativo o conduz de uma gênese como um fraco submisso, passando pela omissão no planejamento da eliminação do irmão, até uma ordem injusta e cruel de exílio, culminando no reconhecimento do erro e a redenção com bravura no campo de batalha.
Com tantos personagens bem desenvolvidos, dá para perdoar a caricatura que é Yussuf. O mais bonito nessa jornada de Alfonso é que ele é levado a se tornar um indivíduo melhor por assimilação. Ele faz questão de causar todo tipo de problema para El Cid, ele despeja nele todo o seu ódio, mas recebe de volta apenas gestos de honradez.
Ele avança com a espada, na expectativa de que o seu oponente se defenda, ou contra-ataque, os impulsos esperados por quem vive pela lei da guerra, mas o oponente vira as costas, conquista um reino e, sabendo que poderia tomar o trono para si próprio, prefere seguir o que é correto, entregando a coroa a quem fez de tudo para tornar sua vida uma experiência miserável. Alfonso é amaldiçoado por sua própria consciência. Ele então aprende com o caráter do herói o caminho da dignidade.
Como esquecer o desfecho? A força simbólica do herói falecido, em seu cavalo, guiando seus homens e, mais importante, amedrontando os inimigos. A escolha da fotografia neste momento em posicionar El Cid, quando visto pela primeira vez por seus inimigos, emoldurado por um clarão da luz do sol, sem dúvida, uma das cenas mais bonitas no gênero, marca a transformação do homem em lenda.
Os mais jovens podem perceber nesta longa sequência, que vai da preparação dos exércitos até o fim do conflito, as referências visuais para batalhas similares em várias produções modernas, como “O Senhor dos Anéis” e “300”.
É uma pena que as novas gerações não valorizem este épico como ele merece. Que pena que o filme acabou e preciso encarar a realidade nojenta da política brasileira.
Sou aficionado aos grandes épicos do cinema, e já assisti a todos! Faltava El Cid… Meu Pai foi dono do cinema em minha cidade entre 1964 à 1971, e este grandioso filme fez lotar todo o espaço daquele recinto! Por incrível que pareça, ontem na noite de 16/02/2022, assisti este espetáculo com qualidade Bluray a fotografia é fantástica e o efeito cinerama (Cinemascop) nos deixam de queixo caído! Não me sai da cabeça a cena do herói morto montado em seu cavalo ostentando uma bandeira branca… Charlton Heston merecia 10 oscar por sua interpretação! Destaque para a exuberante beleza da eterna musa Shopia Loren!!!!
Bela análise sobre este épico obrigatório que me encantou ao vê-lo no cinema numa reapresentação em 1969. Concordo com você sobre as péssimas edições anteriores ao blu-ray do classico de Sam Bronston. Inclusive devo dizer que esta edição BD lançada em 2016 por melhor que pareça ainda não está à altura da real qualidade fotográfica de El Cid que foi produzido originalmente no processo 70 mm super technirama. A atual edição BD na verdade não foi extraída da fita master original, infelizmente e eu espero que isso ainda seja feito o mais breve possível para termos oportunidade de apreciar o épico com todo o esplendor que ele realmente possui e foi demonstrado nas telonas daqueles tempos inesquecíveis. Sobre o que você disse a respeito da nobreza do protagonista e o paralelo que traçou com a sórdida política brasileira onde impera, entre outros absurdos, a abjeta inversão de valores e o total emburrecimento ‘ideológico’ de uma considerável parcela de militantes, tanto de um lado quanto de outro, eu concordo plenamente e te parabenizo pela pertinente comparação. Abaixo os ben yussufs e os traidores da nossa pátria.