Os Caça-Fantasmas (Ghostbusters – 1984)
A refilmagem estimula mais uma vez o debate sobre a relevância desse tipo de produção, ainda mais quando o elenco feminino é formado por versões nada criativas dos protagonistas do original.
Ao invés de perder tempo com o conjunto de equívocos que está sendo, de forma justa, destruído pela crítica e pelo público, prefiro direcionar minha atenção para o roteiro espetacular de Dan Aykroyd e do saudoso Harold Ramis, dirigido com muita competência por Ivan Reitman.
Vale ressaltar que nutro carinho especial pela versão brasileira, dublada pelo estúdio BKS, um trabalho impecável de Ézio Ramos (Bill Murray), Flávio Dias (Aykroyd), Jorge Barcellos (Ramis) e Antônio Moreno (Ernie Hudson).
O filme era corajoso, misturava comédia e terror, com cenas que ultrapassavam o limite do que era normalmente oferecido como entretenimento infantil, por exemplo, o sonho romântico de Ray, ou o momento em que a musa dos nerds da época, Sigourney Weaver, está sentada na poltrona de sua casa e é atacada por garras bestiais, com destaque para longas pernas à mostra em um vestido provocante.
As aparições fantasmagóricas, com exceção do esverdeado Geleia, que é essencialmente caricatural, bebem da fonte dos filmes de horror, como os cães guardiões de Gozer e, logo no início, a senhora da biblioteca que parece saída diretamente do “Poltergeist” de Tobe Hooper.
Os efeitos especiais continuam eficientes porque o estofo, o roteiro, segue esperto como em sua época. Os diálogos inteligentes são tão bons que parecem improvisados, tamanha a naturalidade com que brotam nas situações mais absurdas. O espectador se afeiçoa rapidamente a cada personagem. Eles são imperfeitos, trambiqueiros, desajeitados, mulherengos, gananciosos, mas, acima de tudo, adoráveis.
A montagem que insere o grupo na cultura popular, virando capa de revistas e jornais, sendo entrevistados e debatidos por especialistas, consumidos generosamente pela máquina da propaganda, representa um importante viés crítico de como a sociedade deturpada parece estar conscientemente criando um espetáculo surrealista como forma de suprir material sensacionalista para alimentar a própria máquina.
Perceba como, na sequência emoldurada pela canção “Savin’ the Day”, mostrando o exército se aproximando do prédio para dar o reforço na batalha final, mais parece uma parada festiva, com a população aplaudindo a passagem dos carros.
Impagável a expressão no rosto de Bill Murray, saindo do automóvel para interagir com o povo, sorriso irônico ao dizer para o colega que ele é amado pelos populares, como pugilistas entrando em um ringue. Tem como ser mais corajoso que inserir um grupo de rabinos ovacionando caçadores de fantasmas?
Os rapazes dão autógrafos, tiram fotos com os fãs, exibem com sorriso largo mais um fantasma capturado na armadilha, mas também são mostrados elevando propositalmente o nível de destruição em uma caçada, para que o pagamento seja mais interessante.
Eles não são heróis, não são politicamente corretos, são malandros. O galanteador Venkman só aceita cuidar do caso da Dana por achar que vai conseguir algo mais.
Winston chega para a entrevista de seleção para o cargo disposto a acreditar em qualquer baboseira relacionada ao sobrenatural, como ele mesmo afirma descaradamente para a desinteressada secretária, contanto que o pagamento seja interessante.
Por mais que o sucesso do projeto tenha viabilizado uma sequência infantilizada e uma franquia de animações, quadrinhos e brinquedos, mídias em que o heroísmo obviamente ganhou destaque, o trunfo do filme original é que ele foi pensado como humor adulto ácido e crítico.
Perfeito texto, Octavio!