Um Dia Perfeito (A Perfect Day – 2015)
É comum encontrar nos textos sobre “Um Dia Perfeito” comparações com “M.A.S.H.”, clássico de Robert Altman, diminuindo o novo, o que considero uma argumentação simplista baseada apenas na similaridade da abordagem cômica. Se eu for me ater ao produto final, sem o elemento da nostalgia e tirando a importância da obra no contexto da época, o filme dirigido por Fernando León de Aranoa é superior em todos os sentidos.
Os improvisos irregulares dos médicos militares não podem ser comparados à precisão cirúrgica do roteiro escrito por Fernando e Diego Farias para os agentes humanitários que trabalham nos escombros deixados pela Guerra da Bósnia. Essa comparação prejudica especialmente ao estimular uma expectativa injusta. A única semelhança é a utilização do humor no cenário de uma batalha como forma de destacar o lado humano, tolo e desastrado, que, sob o manto de uma máquina burocrática atordoante movida por falso altruísmo, tenta disfarçar a absurda futilidade do conflito.
A opção por uma escala menor, utilizando como leitmotiv as várias tentativas frustradas de retirar um corpo de um poço, o único que fornece água potável na região, facilita a inserção de sutis metáforas de grande sensibilidade. Algumas de viés irônico, como o enquadramento que coloca lado a lado uma sinalização de que é proibido qualquer armamento, na traseira do vidro do carro, e uma criança na estrada exibindo debochadamente uma arma, após intimidar o grupo. Ela havia roubado a bola do pequeno Nikola (Eldar Residovic), precioso instrumento de escapismo, símbolo da infância destruída, metáfora visual mais séria, objeto que terá, no desfecho, um destino coerente às perspectivas de futuro daquele povo.
Mambrú (Benicio Del Toro), que gradualmente passa a enxergar nesse menino, trazido pelo acaso, uma missão secundária de redenção, expiação de seus pecados, como o taxista de Scorsese e a jovem que ele protege, uma alma pura e desprotegida injustamente colocada em um terreno repleto de minas terrestres.
Entre uma tirada engraçada do impagável B (Tim Robbins) e uma indireta de Katya (Olga Kurylenko), ex-namorada de Mambrú, você pode se surpreender com a ternura na forma como o idealismo da jovem Sophie (Mélanie Thierry) é representado. Ela está começando na área, ainda não teve seus sonhos corrompidos pela realidade brutal da rotina diária. Ao ver abutres na estrada vendendo baldes d’água para pobres moradores, ela afirma desolada: “Eles estão tirando vantagem”. Mambrú com os olhos perdidos no horizonte responde: “Claro que estão tirando vantagem, isso é a guerra.”
A cena é escrita como comédia, o timing é eficiente, mas o estofo é profundamente triste, a reflexão crítica que propõe é complementada momentos depois, quando o roteiro inteligentemente entrega nas mãos do menino a resposta mais sábia: “Eles precisam do corpo no poço para a água ficar suja e eles poderem lucrar”. Ao deixar a razão falar na voz da criança, a trama evidencia que a esperança reside nas próximas gerações.
Vale ressaltar que todos os personagens são carismáticos e escritos de forma tridimensional. Perceba o olhar de Mambrú ao proteger Sophie, de modo infantilizado (“não olhe para trás, olhe para mim”), para que ela não veja algo perturbador atrás dela. Essa atitude diz muito sobre seu personagem, mais do que qualquer diálogo poderia revelar. Não há exibição de violência, um filme de guerra em que não se escuta sequer um disparo ou explosão, porém, a tensão é constante.
A canção final, “Where Have All The Flowers Gone?”, com a frase “when will they ever learn?” (quando eles irão aprender?), sintetiza a importante mensagem dessa rara produção escrita para adultos, público cada vez mais desprezado pela indústria cinematográfica.