Mishima – Uma Vida em Quatro Tempos (Mishima: A Life in Four Chapters – 1985)
A figura do escritor japonês Yukio Mishima é muito pouco conhecida pelo público brasileiro. É difícil não finalizar a sessão sem sentir um desejo enorme de ler seus trabalhos.
Eu já havia sido impactado pelo minimalismo estético de “Mar Inquieto” e ficado encantado com o lirismo de “O Marinheiro que Perdeu as Graças do Mar” e a coletânea de contos “Morte em Pleno Verão”, mas ainda preciso ler outras obras dele, especialmente as mais celebradas, como “Confissões de Uma Máscara” e “O Templo do Pavilhão Dourado”.
A opção de Kimitake Hiraoka pela utilização de um pseudônimo já denotava o apreço do jovem pela teatralidade, um caminho ideologicamente complexo que o conduziu para um desfecho ritualístico altamente simbólico em 1970, após conquistar o reconhecimento de crítica e público por seus livros, endereçou aos seus editores um envelope contendo o final do livro que estava escrevendo, juntou-se aos companheiros da Sociedade do Escudo, organização de direita que ele havia criado dois anos antes e seguiu para o quartel-general das Forças Armadas em Tóquio.
Ele, com agressividade, obrigou o general a permitir que fizesse um discurso para todos os oficiais, em que bradava o amor pela tradição cultural japonesa e a necessidade da nação não perder sua identidade no processo de ocidentalização. Após o discurso inflamado, Mishima cometeu no local o seppuku, o ritual em que o guerreiro samurai dá fim à própria vida.
Uma personalidade fascinante que viveu em conflito com sua sexualidade e o medo da degradação física, buscando se expressar artisticamente de diversas formas, tendo sido cantor, ator e cineasta, também adorava fotografia, uma atitude que representava a libertação de uma infância e adolescência escravizadas pela timidez.
O filme do roteirista/diretor Paul Schrader abraça uma estrutura narrativa coerente com a pena poética que guiou o escritor, emoldurada pela trilha sonora maravilhosa de Philip Glass, intercalando passagens de sua vida com dramatizações propositalmente artificiais de segmentos de seus livros, cada título com sua própria paleta de cores na fotografia, e flashbacks da infância e adolescência em refinado preto e branco.
O resultado está longe de ser popular, não é o tipo de produto que você consegue encaixar na grade televisiva com cortes para os intervalos comerciais, este projeto é trabalho de gente grande, material para ser visto ajoelhado em reverência.
A crítica mundial normalmente celebra, de forma justa, o texto de Schrader para “Taxi Driver”, de Scorsese, mas eu considero “Mishima” o seu melhor momento no cinema, um tesouro que precisa ser reavaliado.