Um fiapo de roteiro que faz todos os seus filmes anteriores parecerem “Cidadão Kane”, a trama pode não ter um antagonista, mas “Loiras, Morenas e Ruivas”, a despeito do péssimo título nacional, produzido por Ted Richmond (que seria responsável por “Papillon”, em 1973), prova que o carisma de Elvis Presley conseguia operar milagres.
Loiras, Morenas e Ruivas (It Happened at The World’s Fair – 1963)
Após dirigir o cantor em três sucessos de bilheteria (“Saudades de Um Pracinha”, “Feitiço Havaiano” e “Garotas, Garotas e Mais Garotas”), o veterano Norman Taurog conseguiu o que parecia impossível, transformar um projeto de baixo orçamento pensado apenas como divulgação da Feira Mundial de Seattle, na recém-construída Seattle Center, evento movido pela temática da Era Espacial, em um filme emocionalmente funcional.
Elvis vive Mike Edwards, um piloto de avião que faz todo tipo de bico com o sócio Danny (Gary Lockwood, que viveria anos depois um dos astronautas de “2001 – Uma Odisseia no Espaço”), um jogador inveterado que perde tudo nas cartas. Os dois chegam por acidente em Seattle, pegando carona com um chinês vendedor de maçãs e sua pequena sobrinha, Sue-Lin (Vicky Tiu, que não trabalhou mais no cinema e depois foi primeira-dama do Havaí). Quando o tio desaparece, a menina pede ajuda ao piloto.
Tiu afirmou em entrevistas posteriores que nunca irá esquecer o carinho que Elvis tinha por ela, ajudando, inclusive, em uma cena difícil em que precisava chorar. O colega, vendo que a menina não estava conseguindo finalizar e estava envergonhada, acenou para o diretor e disse sorridente: “É isso, por hoje é só, a pequena dama e eu iremos lanchar, amanhã continuamos”. Ele a acalmou, no dia seguinte a cena foi completada sem atraso.
É interessante notar que, pela primeira vez na filmografia dele, o roteiro explorava a relação de amizade entre o adulto e a criança, um aspecto que ajudava a definir a imagem comportada do cantor no cinema. Até mesmo o figurino dele evidencia esse objetivo, ternos elegantes que se assemelham mais com o deboche perpetrado por Steve Allen no programa televisivo de início de carreira, quando o jovem engravatado teve que cantar “Hound Dog” ao lado de um cão.
Na trilha sonora, três canções são direcionadas nesse sentido: “Cotton Candy Land”, “Take Me to The Fair” (que chegou a ser cogitado como o título do filme) e “How Would You Like to Be”. Ver Elvis entretendo a menina, tentando fazê-la dormir, ou buscando animar ela depois de sofrer uma decepção, momentos que podem parecer demagogia sacarina em teoria, mas a execução é tão terna e o sentimento transmitido é tão puro que encantam o espectador.
As canções do filme são fracas, com exceção da bela balada “They Remind Me Too Much of You”, inserida na cena como reflexão imaginária, algo que não havia sido tentado ainda em seus filmes, composta por Don Robertson, um dos preferidos do cantor. “Beyond The Bend”, que toca nos créditos iniciais, “One Broken Heart for Sale”, com seu hilário coral de aposentados viciados em jogo, “Happy Ending”, que conduz a trama para o desfecho, simpáticas, inofensivas, assim como “I’m Falling in Love Tonight”, “World of Our Own” e “Relax”, uma lista acima da média, mas apenas uma canção verdadeiramente marcante, o que já mostrava a dificuldade crescente dos produtores em fornecer material para a quantidade absurda de roteiros.
E, para piorar, a MGM havia solicitado que as gravações no estúdio fossem desprovidas de qualquer eco, destruindo a ambiência natural, garantindo uma estética artificial, ao invés do swing improvisado que marcava as gravações do cantor para a RCA. Vale destacar que a interpretação de Elvis conseguia dar dignidade até para a mais tola composição.
O interesse romântico da vez, Diane, uma enfermeira que sonha em trabalhar para a NASA, papel vivido por Joan O’Brien, cantora de sucesso na década de cinquenta que tentava se firmar em Hollywood. O ator Kurt Russell, de “Os Aventureiros do Bairro Proibido” e “O Enigma de Outro Mundo”, grande fã de Elvis, faz uma ponta hilária como um menino que é pago para chutar a canela do protagonista, que buscava um motivo para se reencontrar com a enfermeira.
O filme é muito divertido, o humor funciona, mas é perceptível que a indústria já não estava mais se importando em inserir o artista em algo minimamente relevante, o interesse era apenas agradar seu público adolescente. Como ponto positivo, a coreografia das lutas nunca esteve melhor, ajudadas pela montagem dinâmica.
Uma sequência perdida no meio da trama, o encontro romântico do piloto com uma belíssima Yvonne Craig, que teria papel de destaque no ano seguinte em outro projeto de Elvis: “Com Caipira Não Se Brinca”, mas ganharia fama mundial como a “Batgirl” da série protagonizada por Adam West, sintetiza a falta de cuidado.
Não há preocupação em preparar um terreno crível para que as canções sejam defendidas, ele simplesmente solta a voz em qualquer situação. Este desleixo foi o alvo principal das críticas da época.
A Seguir: “O Seresteiro de Acapulco” (Fun in Acapulco)