Quando eu comecei a escrever sobre cinema, a imagem do crítico era menosprezada neste país pelo grande público, ele era visto como o “chato do contra”, o “dono da verdade”, aquele que diz o que deve ser visto e o que deve ser desprezado.
Uma das minhas metas era, em longo prazo, melhorar este triste panorama. Mas parte considerável de culpa por esta equivocada visão que alimentou por décadas a incompreensão sobre a função da crítica recai nos ombros de muitos profissionais da própria crítica cinematográfica. Aqueles que segregam, aqueles que querem se sentir especiais, aqueles que diminuem os esforços dos outros sem pensar duas vezes.
Quando o profissional utiliza o cinema como base possível para extravasar sua arrogância, ele acaricia o próprio umbigo, satisfaz o ego, atrai seus semelhantes (pedantes que necessitam de autoafirmação intelectual) e afasta todos aqueles que verdadeiramente amam a arte, ou que estão começando a se interessar, uma fagulha que deve ser sempre estimulada. O crítico medíocre precisa traçar uma linha imaginária na areia e garantir que está com os pés fincados no “lado certo”, deslegitimando os outros, tolos, amadores, irrelevantes. Para ele, “a regra é clara”. Só que não existe uma regra, uma única maneira de se escrever profissionalmente sobre cinema.
A crítica profissional acadêmica é estruturada nos critérios do profissional que a escreve, logo, naquilo que ele defende como correto, ele não segue uma tabela. François Truffaut, por exemplo, escrevia movido por paixão. Ele então não pode ser considerado um profissional da “crítica acadêmica”? Escrever com paixão não é o mesmo que escrever sem embasamento teórico.
Como sempre afirmo, a fascinação pela arte crítica reside exatamente na pluralidade de análises, especialmente naquelas que argumentam visões opostas. Se a análise acadêmica
fosse conduzida por robôs (única forma de não ser subjetiva), obviamente não haveria
oposição de ideias, mas também não creio que haveria público. Como o palestrante chato que passa duas horas falando em tom monocórdico e sem brilho nos olhos, com trinta livros abertos na mesa, para meia dúzia de rostos bocejantes. Ele busca apenas o status social/profissional, não se importa com o receptor.
O que fascina o cinéfilo é sentir, por trás de toda a exposição teórica, o profundo amor do profissional pelo material que analisa. O ideal seria que todos os veículos impressos presenteassem o público com o maior número possível de textos sobre cinema, mas creio que isto não seja financeiramente atraente, o que diz muito sobre o nível educacional do brasileiro. Mas, como salientei em texto recente, aquele que não é impedido pela preguiça intelectual sabe que veículos impressos são apenas uma fonte de informação.
Eu celebro todos aqueles que escrevem na área movidos pela paixão e contaminados pelo vírus do garimpo intelectual. O crítico de cinema não é chato, o chato é ser arrogante em qualquer área.