Antes Que Tudo Desapareça (Sanpo suru shinryakusha – 2017)
O diretor japonês Kiyoshi Kurosawa é especialista em explorar os limites dos gêneros, subvertendo expectativas, algo que faz com inteligência em “Antes Que Tudo Desapareça”. Analisado no contexto de sua filmografia, o projeto entrega uma nova tese sobre a importância da reconstrução constante dos sentimentos que alicerçam os relacionamentos amorosos.
Ele já tocou no tema pela perspectiva do horror e do thriller policial, mas opta desta vez pela moldura fantástica das invasões alienígenas, buscando inspiração nos clássicos norte-americanos da década de 50: “A ameaça que veio do espaço” e “Vampiros de almas”. Na trama, três extraterrestres se infiltram na sociedade, inclusive um que utiliza o corpo de um jovem como hospedeiro, para o choque de sua esposa. O objetivo é compreender melhor a raça humana, seus hábitos diários e suas motivações emocionais, para que uma possível invasão futura venha a acontecer sem maiores problemas.
O toque genial do roteiro é fazer com que estes seres necessitem utilizar poderes psíquicos para extrair conceitos que não consigam entender, como o amor, a possessividade, trabalho e família. Ao esvaziar um personagem de seu sentimento de posse com relação à sua casa, os bens materiais, o alienígena enxerga a irrelevância daquilo, enquanto a vítima descobre a felicidade desacorrentada dos grilhões de status social, empolgada com as possibilidades desta nova experiência.
A frase que sintetiza a mensagem do diretor nasce na cena menos pretensiosa, uma simples conversa que pode passar despercebida na desnecessariamente longa duração do filme. “Humanos são engraçados, acreditam que governam seu planeta. Mesmo que não invadíssemos, vocês morreriam daqui a uns 100 anos”.
A ideia de que a destruição da raça humana, ou a reinvenção deste conceito a partir do zero, pode ser tida como benéfica é, por trás da fantasia metafórica, extremamente contundente. Temos que reaprender os sentimentos mais básicos, como empatia.
Kurosawa atinge o ponto nevrálgico, um alerta de proporções mundiais cada vez mais atual, apesar de optar no terceiro ato por um viés melodramático exagerado que enfraquece o resultado.
* Crítica publicada no Caderno B do “Jornal do Brasil” (12/04/18).