Selecionei cinco dicas, obras de variadas épocas e que fogem daquele padrão óbvio das comédias românticas água com açúcar, roteiros que respeitam a inteligência e a maturidade emocional do público.
Noites Brancas (Le Notti Bianche – 1957)
Adaptado da obra de Dostoiévski, Marcello Mastroianni vive a figura do sonhador sem nome, solitário e tímido, que ao encontrar uma jovem chorando no parapeito do cais, aproxima-se e irreversivelmente lhe nutre ternura. Para ela, ele conta sua história, plena em ilusão, sua fuga da realidade, e sonhos. Durante quatro noites, os dois se encontrariam para conversar e preencher lacunas, mascarar carências com gargalhadas nervosas, consolarem-se mutuamente por suas tragédias pessoais: ela, por amar alguém do passado, e ele, por querer amá-la no futuro.
O diretor Luchino Visconti suavizou tremendamente as nuances psicológicas do personagem masculino, negando o longo monólogo em que conta sua história. O que durava várias páginas foi adaptado para uma hilária cena em que Mastroianni e Maria dançam ao som do infante Rock and Roll. Outro momento que recordo com emoção é a frase, tirada do livro, com que Mastroianni define seu personagem: “Obrigado pelo momento de felicidade que me proporcionou”.
Difícil conter as lágrimas também com a bela analogia feita entre o sonhador e o velho cão de rua: ambos dispostos a dar atenção e carinho a todos os estranhos com quem cruzam nas ruas, porém destinados a terminarem solitários, como que esperando um dono que nunca os socorre.
As Coisas da Vida (Les Choses de La Vie – 1970)
Pierre (Michel Piccoli), um bem-sucedido engenheiro, sofre um acidente de carro e, ferido mortalmente, relembra seu passado e as pequenas coisas que fazem a alegria da vida. A estrutura que move a trama, flashback dentro de flashback, trabalha em favor da narrativa, potencializando o impacto sensorial sem parecer existir apenas como um pedante exibicionismo.
O diretor Claude Sautet nos leva a interpretar as motivações dos personagens no ato de observar eles em silêncio, estando mais interessado em registrar, por exemplo, um sorriso casual, do que o gracejo que o causou. Adentramos na privacidade daqueles estranhos imperturbáveis à ação do tempo, naqueles breves momentos que, em outros filmes, a câmera já teria se desviado ou teria sido desligada. A linda trilha sonora de Philippe Sarde emoldura os momentos de melancolia do protagonista, como na cena em que experimenta o amargor do arrependimento durante uma viagem noturna de carro.
Pierre ainda não se acostumou com a ausência de sua ex-mulher, sentindo saudade daquela convivência em sua zona de conforto, então escreve impulsivamente uma fria carta de rompimento para a apaixonada jovem namorada, mas se arrepende tarde demais. O acidente o imobiliza, incapacitando-o de exteriorizar suas emoções, impedindo-o de fazer o que desejou mais que tudo em sua vida: o simples rasgar de um pedaço de papel.
O Mesmo Amor, a Mesma Chuva (El Mismo Amor, La Misma Lluvia – 1999)
Uma obra-prima de sensibilidade e paixão. Além de ser um ótimo ponto de partida para se interessar a conhecer melhor o cinema argentino. Depois desse projeto, o diretor Juan José Campanella iria se tornar mundialmente reconhecido por “O Filho da Noiva” e, especialmente, “O Segredo dos seus Olhos”.
Jorge Pellegrini, vivido pelo competente Ricardo Darín, é uma jovem promessa da literatura argentina, mas acaba desperdiçando seu talento escrevendo contos simplórios para uma revista. Em uma noite chuvosa ele conhece Laura, a bela Soledad Villamil, uma garçonete que está à espera do namorado, do qual não tem notícias desde que ele partiu para o Uruguai alguns meses antes. Jorge e Laura ficam muito unidos e a moça, ciente do grande talento do rapaz, tenta convencê-lo a singrar sem medo os bravios mares da literatura. O romance soa natural e nos cativa desde o primeiro momento.
A crítica política existe, porém como uma moldura, nunca como a pintura. Em nenhum momento se mostra apelativo ou simplista, todos os elementos se unem com perfeita simetria.
Assim Falou o Amor (Minnie and Moskowitz – 1971)
“Eu penso tanto em você, que até me esqueço de ir ao banheiro.”
A simplicidade dessa frase, uma síntese perfeita do romantismo naturalista do personagem vivido por Seymour Cassel: Seymour Moskowitz, um homem inculto que se mostra incapaz de se comunicar com as mulheres.
A direção de John Cassavetes explora, em várias cenas, com seu senso de humor peculiar, a falha na comunicação, evidenciada nas atitudes violentas de seu personagem, um amante emocionalmente desequilibrado. A sua maneira libertária de conduzir seus colegas atores, possibilitando que eles exercitem o improviso, aliado ao fato de colocar seus familiares nos projetos, acaba se traduzindo, em todos os seus filmes, em um clima de vivaz camaradagem. A opção deles por uma rotina convencional de encontros românticos: sorveteria, dançar, passeios noturnos e conversas existenciais, por mais que tentem com genuína boa vontade, acabam sempre em desastre.
Eles descobrem que o ato de se apaixonar nasce exatamente nos constrangedores silêncios que antecedem qualquer tentativa de consumar uma atitude clichê, o sorriso espontâneo que brota após uma canção, numa tentativa desafinada de sedução.
Mesmo se Nada der Certo (Begin Again – 2013)
O roteirista e diretor irlandês John Carney repete aqui a fórmula de seu sucesso “Apenas Uma Vez”, mostrando o relacionamento amoroso por um viés de sutil doçura, contrastando com o excesso de beijos sôfregos dos romances da linha de produção americana. Nessa proposta, o ápice de uma cena romântica pode ser uma troca de olhares ou um toque das mãos, o foco está no sentimento que motiva a ação.
Gretta (Keira Knightley) e Dan (Mark Ruffalo) estão encarando uma profunda decepção profissional, com seus nobres ideais de carreira artística dando lugar à autocomiseração. Ele, um produtor musical falido, ela, uma compositora que perdeu toda a confiança em seu talento, após ser abandonada pelo namorado. O encontro dessas duas almas desesperançadas ocasiona, com o auxílio da bela trilha sonora, uma redenção poética. É sempre prazeroso encontrar obras no gênero que recusem o conformismo sensorial, entregando relacionamentos críveis e verdadeiramente humanos. Costumo dizer que vejo mais robôs nos romances hollywoodianos do que nos filmes dos Transformers.
A química entre o casal é cativante, as canções são de singela beleza, mas destaco a mensagem subliminar na cena que registra a declaração de resistência artística dos jovens, gravando seu disco nas ruas de Nova York, com aquela doce voz enfrentando a balbúrdia grosseira que a oprimia outrora.
Otávio,
Gostei imensamente de seus comentários e observações acerca dos filmes. Como faço para assistir aos filmes citados?
Grata
Flavia
Ótimo texto, muito sensato e com uma sensibilidade e bom gosto raros!