Ermanno Olmi fez vários cursos de interpretação na Academia de Artes Dramáticas de Milão. Aprendeu sobre cinema quando trabalhava na Edisonvolta, uma grande companhia elétrica de Milão. Lá, dirigiu mais de 40 curtas-metragens e documentários informativos sobre a empresa, entre 1952 e 1961. O seu primeiro longa-metragem foi “Il Tempo si è Fermato”. O sucesso deste filme levou-o à formação da 22 December S.p.A., uma produtora co-fundada por Olmi que distribuiu o seu primeiro filme comercial, “Il Posto”, seguido por “I Fidanzati” (1962).
O Tempo Parou (Il tempo si è fermato – 1959)
O tempo está parado no topo do monte Adamello; o inverno impede o avanço dos trabalhos de construção de uma barragem. Lá em cima, permanecem apenas dois homens: um velho guarda acostumado ao ríspido cotidiano do local e um estudante recém-chegado. Prêmio San Giorgio na XX Mostra Internacional de Arte Cinematográfica (Veneza, 1959).
A ideia original do diretor era realizar um documentário, talvez isto explique a restrição cênica da câmera, buscando a verdade em cada cena, com atenção às minúcias do cotidiano, sem firulas narrativas, com poucos diálogos, potencializando assim a gradativa aproximação entre os personagens, inicialmente receosos nesta situação forçada, até que se estabelece naturalmente uma conexão de pai e filho, mestre e aluno, enquanto lutam pela sobrevivência.
A sequência que representa a celebração da amizade sincera entre Roberto (Roberto Sevesso) e Natale (Natale Rossi) é ambientada no interior de uma igreja, simbologia bressoniana que liga a religião ao conceito da solidariedade, mensagem profundamente humanista que é transmitida em tom leve, e, acima de tudo, irônico, com ótimas gags visuais. Pérola simples e encantadora que demonstrou ao mundo o talento promissor do diretor.
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O Posto (Il posto – 1961)
Um cidadão provinciano vai a Milão, à procura de trabalho num grande complexo industrial. Consegue, mas não passa de um recepcionista. Conhece uma moça e a convida para a festa da firma. Ela não vem, mas em compensação morre um dos trabalhadores e o provinciano o substitui.
A mãe do jovem protagonista afirma: “caso consiga este posto no emprego, você terá trabalho por toda a vida”. Em pleno milagre econômico pós-guerra, as primeiras grandes corporações prosperavam na Itália, com seus corredores claustrofóbicos, chefes arrogantes alimentando a frieza máxima entre máquinas-humanas selecionadas através de testes psicotécnicos tolos e artificiais, realidade melancólica que o rapaz vislumbra no futuro sem alma garantido pela estabilidade profissional, até que, após vários anos de rituais festivos mentirosos enaltecendo companheirismo entre colegas que se desprezam na empresa, a velhice o obrigue a ser substituído por um corpo jovem na engrenagem, outra estatística esvaziada de sonhos.
Há poucas esperanças para o romance entre Domenico (Sandro Panseri) e Antonietta (Loredana Detto, que depois se casaria com o diretor), separados por suas funções, ele, como mensageiro, ela, como datilógrafa, escravos de uma rotina maçante. O roteiro funciona deliciosamente enquanto sátira do mundo corporativo, criticando a desumanização dos funcionários, mas, também, como conto de maturidade mais realista que o usual trabalhado por filmes semelhantes no tema. Com os pés fincados na estética neorrealista, sem discurso panfletário, Olmi entregou uma declaração social firme, porém, sutil.
A ilusória redenção do protagonista no emblemático desfecho é genialmente subvertida pelo design de som, que potencializa o irritante ruído monótono na máquina que representa a triste aceitação dos grilhões.
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Os Noivos (I fidanzati – 1963)
O jovem Giovanni (Carlo Cabrini) se muda de cidade em busca de um trabalho que lhe proporcione melhores condições de vida. Porém para realizar o projeto, teve que abandonar sua noiva, Liliana (Anna Canzi), na cidade natal. A partir daí, muitos questionamentos passam a perturbar sua mente.
Trabalhando o mesmo conceito do filme anterior, Olmi explora o viés ousado do fortalecimento do amor em relacionamentos à distância, ou, como a solidão pode ser uma bênção na forma como provoca o indivíduo a tentar compreender melhor o outro, afastados da anestesiante rotina de um casal. O clássico: você só valoriza a pessoa quando a perde. E, vale ressaltar, ele faz isto sem sentimentalismo barato, o tom é de profunda tristeza, a constatação da desesperança. Através de flashbacks, o roteiro mostra as conversas que os dois tiveram no crepúsculo da união. As cartas lidas salientam que a cumplicidade se fortaleceu exatamente quando houve o afastamento.
Há neste direcionamento narrativo uma crítica poderosa (coerente à “O Posto”) às pressões sociais e econômicas que conduzem trabalhadores para fora de suas famílias, dando cada vez menos atenção aos mais próximos, na busca desenfreada pela prosperidade financeira, para suprir um status ilusório que traz pífia felicidade.
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