As Férias do Sr. Hulot (Les Vacances de Mr. Hulot – 1953)
Mr. Hulot (Jacques Tati) decide passar férias num hotel próximo a um balneário francês, mas acidentes e confusões insistem em acontecer onde quer que ele vá. O bem-intencionado Hulot acaba com a paz do local e impede o descanso dos demais hóspedes, provocando uma onda de catástrofes.
Após vencer o prêmio de melhor roteiro no Festival de Veneza com o projeto anterior, “Carrossel da Esperança”, Tati recusou diversas propostas de trabalho que, invariavelmente, repetiam a proposta de sucesso.
Ele sabiamente preferiu se desafiar enquanto artista, dedicando plena atenção ao conceito libertário desta estreia do desastrado Sr. Hulot (no próprio nome, pronunciado com biquinho, já reside a primeira piada), um esforçado e bem-intencionado operário do caos.
A estrutura narrativa em vinhetas cômicas, explorando todas as possibilidades de linguagem, quase sempre sem diálogos, elemento que foi criticado por alguns veículos à época, decisão de Tati objetivando retratar a banalidade entediante e realista da rotina dos turistas no local, inspirou Jerry Lewis em sua estreia na direção, com “O Mensageiro Trapalhão”, Blake Edwards em “Um Convidado Bem Trapalhão”, com Peter Sellers, mas também serviu como referência principal ao inglês Rowan Atkinson, na criação do personagem “Mr. Bean”.
As situações são hilárias, o tapa com sonoridade intensificada da mãe no rosto do menino travesso, o grupo desesperado tentando pegar um trem na plataforma de embarque, descendo e subindo escadas, sempre chegando no segundo em que ele está partindo, a cabeça da criança enroscada no volante do ônibus lotado, o cão que se recusa a levantar, impedindo a passagem do carro, o atendente do hotel que, ao ver um homem obeso entrar pela porta, analisa a quantidade de fatias restantes a cortar de carne, a ventania que perturba as pessoas no saguão quando o protagonista deixa a porta de entrada aberta.
A admiração despertada no marido desencantado com o relacionamento e que projeta em Hulot suas fantasias de solteiro, breves momentos, tecnicamente rebeldes à captura do tempo abstrato de uma divisão clássica de cenas em um roteiro, protagonizados por variadas caricaturas, pensadores socialistas e empresários capitalistas ostentam suas riquezas juntos, todos são iguais e vivem em harmonia com roupas de banho à beira-mar.
Ao buscar inspiração em suas lembranças de menino nas viagens da família, nostalgia que invade o público que se identifica imediatamente, o genial Tati presenteou o mundo com uma obra que segue encantadora e, acima de tudo, eficiente.
Ao final, com a partida dos turistas, a melancolia comovente do local abandonado ainda me toca profundamente. Não envelheceu sequer um segundo este “As Férias do Sr. Hulot”.
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