Moonwalker (1988)
Agora que dois oportunistas estão lucrando com um documentário sensacionalista e difamatório, desta feita, muito mais canalha por tentar destruir a reputação de uma pessoa que já foi inocentada e, principalmente, que não pode se defender, considero importante resgatar o belíssimo legado artístico deste ícone da música mundial. O experimental “Moonwalker” passava frequentemente na televisão, sempre perto do final do ano, mas também marcava presença enquanto videogame, um fenômeno transmídia que não se sustenta como narrativa cinematográfica, mas encanta e sintetiza boa parte do que de melhor Michael Jackson realizou musicalmente em seu auge criativo.
Ele era apaixonado por cinema, um de seus maiores sonhos profissionais, logo, você consegue perceber facilmente a tremenda dedicação com o projeto, que reflete a sua ideologia desde o início. Ao começar com “Man in the mirror”, uma das canções mais bonitas de seu repertório, ele dá o recado claro, antes de mudar o mundo, o indivíduo precisa mudar suas próprias atitudes. Após uma montagem que faz um apanhado de sua carreira desde criança, vemos uma versão do videoclipe de “Bad” protagonizado por um menino. É como ele se enxergava, puro, intocado pela maldade do mundo adulto.
Ao passar por uma cortina de fumaça em um estúdio de cinema, ele reaparece em sua forma mitificada, adulto, com traje de show, somente para, logo em seguida, desconstruir esta imagem traçando um paralelo com “A Hard Day’s Night”, dos Beatles, fugindo sorridente dos turistas e das lentes dos paparazzi. A crítica à distorção de sua persona chega ao ápice com “Leave Me Alone”, segmento que levou o prêmio de Melhores Efeitos Especiais no Cannes Gold Lion, evidenciando com bom humor os absurdos que a imprensa marrom da época utilizava para vender jornais às custas de sua fama.
Após trinta e cinco minutos de videoclipes, comandados por Jerry Kramer, o filme realmente insinua uma linha dramática estruturalmente tradicional, com direito a um vilão, vivido por Joe Pesci, que intenciona espalhar psicotrópicos para as crianças, objetivando clientes fiéis no futuro, um conceito corajoso levando em consideração o público-alvo da obra. Vale destacar que Sean, filho de John Lennon, é uma das três crianças protegidas pelo protagonista, uma espécie de Peter Pan “Transformer” alienígena que, aos olhos do mundo, consegue administrar uma vida intensa como cantor badalado. O melhor momento na trama é a espetacular coreografia de “Smooth Criminal”, sequência dirigida por Colin Chilvers, em que ele rende sua homenagem à Fred Astaire, especificamente “A Roda da Fortuna”, de Vincente Minnelli, e aos clássicos hollywoodianos de gângsteres da década de trinta.
Com eficiente humor cartunesco e uma direção de arte impecável, utilizando stop motion aliado generosamente à computação gráfica, “Moonwalker” é, acima de tudo, o registro importante da passagem de um artista incomparável. Hoje, com a indústria musical reduzida à ídolos de barro e muito lobby, o impacto genuíno de Michael Jackson se torna especialmente relevante. Que a miudeza gananciosa de abutres midiáticos jamais apague os seus valorosos esforços artísticos e humanitários.
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