Purple Rain (1984)
Vítima de sua própria ira, Kid (Prince) é um músico de Minneapolis que se dedica à banda Revolution para escapar de uma vida doméstica tumultuada através da música. Enquanto evita cometer os mesmos erros que seu pai, Kid circula por clubes e tem um relacionamento conturbado com Apollonia (Apollonia Kotero), uma cantora cativante. Mas outro músico, Morris (Morris Day), quer roubar a atenção de Kid e a sua namorada.
No dia do aniversário do saudoso Prince Rogers Nelson (data em que o texto foi originalmente publicado), nada melhor que resgatar o seu legado cinematográfico, único bom trabalho na carreira do diretor Albert Magnoli, cuja trilha sonora segue inquestionavelmente brilhante, um dos melhores discos da década de 80. Será que o filme sobreviveu ao árduo teste do tempo?
Analisando friamente o seu esqueleto narrativo, apesar de ter a mão competente de William Blinn (vencedor do Emmy pela minissérie “Raízes”) no roteiro, você constata um caso agressivo de osteoporose, mas creio que isto já era perceptível na época.
Levando em consideração que cinema não é matemática, há muito mais para se apreciar em uma obra, elementos sensoriais que não respeitam as leis dos manuais de roteiro, que superam atuações ruins e problemas de produção, algo que capta perfeitamente o zeitgeist de seu lançamento e que favorece a revisão. “Purple Rain” é um caso clássico de filme problemático e, ainda assim, charmoso, intensamente cativante.
A fotografia de Donald Thorin, de “A Força do Destino”, capta muito bem o tom escandalosamente cafona (no melhor sentido da palavra) no palco e fora dele, injetando elegância e senso de humor.
Algumas sequências são (involuntariamente) hilárias, como aquela em que Prince, após a bela Apollonia se jogar em um rio, monta na sua estilosa motocicleta roxa e acelera, deixando ela sozinha e irada, voltando minutos depois com um sorriso de menino travesso, só para continuar brincando com ela, acelerando a cada tentativa da jovem subir na garupa. Só ele mesmo para fazer uma brincadeira destas e, ainda assim, manter sua atitude roqueira.
A execução do melodrama no segundo ato é o ponto mais baixo, exagerado, frágil, compreensivelmente óbvio. O protagonista é visto apanhando de seu pai em casa, ao tentar separar uma briga dele com sua mãe, logo, ele é mostrado mais tarde repetindo o comportamento, extravasando a mesma agressividade na mulher que ama.
Há intenção de desenvolvimento do arco do personagem, evidenciando a transformação gradual na forma como ele se relaciona com as mulheres, o problema é que Prince tinha invejável presença nos shows, mas não era um bom ator, não era como David Bowie, muitas das cenas dramáticas perdem organicidade por este motivo, mas nada que prejudique demais o material. E, claro, contra todas as probabilidades, tudo se resolve magicamente ao final, em uma espetacular apresentação ao vivo de “Purple Rain”.
A ideia de se mostrar como alguém psicologicamente fragmentado, com problemas familiares, traumas e uma atitude negativa, especialmente considerando o status de ídolo popular que ele tinha à época, merece aplausos de pé. Qual artista da música hoje em dia teria esta coragem?
Ao invés de apostar em uma trama bonitinha, perfeita para vender discos, Prince entregou o reflexo sombrio de um espelho quebrado, um drama familiar capitaneado por um jovem que precisa lidar com o legado perturbado de um pai escravo do álcool, enquanto luta para manter sua sanidade e sua carreira musical.
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