Abismo de Um Sonho (Lo Sceicco Bianco – 1952)
Um casal recém-casado chega a Roma para a lua-de-mel. O marido, Ivan (Leopoldo Trieste), tem um tio muito influente na cidade, e conseguiu para os dois uma audiência com o Papa, além de ter vários planos turísticos programados. Porém, sua jovem esposa, Wanda (Brunella Bovo), aproveita um momento de descanso para ir a uma produtora de fotonovelas entregar um presente para seu herói predileto, o Sheik Branco (Alberto Sordi), que então a convida para ir ao set de filmagens, fora da cidade.
“Abismo de Um Sonho” foi o primeiro trabalho solo de Fellini na direção, iniciando a parceria com o compositor Nino Rota, uma das suas comédias mais eficientes, mas a obra costuma ser mais lembrada por contar com a breve participação especial de sua esposa e musa Giulietta Masina, vivendo a ingênua mulher da vida, Cabíria, momento marcante que levou o mestre a convencer o estúdio de que ela conseguiria dar conta como protagonista, repetindo o papel anos depois no excelente “Noites de Cabíria”.
O argumento, vale ressaltar, sugerido ao produtor Carlo Ponti por Antonioni, coube como luva nas mãos do jovem praticamente inexperiente na área, já que Fellini cresceu apaixonado pelas tiras em quadrinhos nos jornais, trabalhando como desenhista e, principalmente, sabia como ninguém injetar ironia satírica em cenários surrealistas, debochando das tradições, estabelecendo contraste entre a realidade patética e as ilusões propagadas pelo mundo do entretenimento, desta feita, o heroísmo na fotonovela.
A decisão de escalar Alberto Sordi para o papel do Sheik foi recebida com pessimismo pelos produtores, o ator não tinha fama de ser popular, mas o jovem diretor firmou o pé, entendendo melhor do que eles a essência farsesca do personagem.
Ivan, o marido bobão, preocupado apenas em exibir uma fachada elegante para sua família distante, objetivo que só pode ser conquistado com a presença de sua esposa troféu, Wanda, comportamentalmente oposta à ele, tímida e doce. Os planos vão por água abaixo quando ela, sem cerimônia, parte ao encontro de seu ídolo.
Aquela oportunidade representa para a bela jovem a única fuga possível daquela rotina traçada e ensaiada de poses e sorrisos gélidos, uma puxada forte de ar antes do mergulho, consciente de que não sabe nadar neste oceano de falsidade. Só que ela está tão desesperada, tão entusiasmada com a visão reluzente, que não percebe o verniz frágil que reveste aquela figura exótica que se apresenta oniricamente se balançando nas alturas. E, toque genial, o roteiro propõe sutilmente uma analogia entre o Sheik e o Papa, dois indivíduos plenos em teatralidade.
A influência desta pérola embrionária felliniana pode ser sentida na filmografia de um de seus fãs mais devotados, o grande Woody Allen, mais especificamente em “A Rosa Púrpura do Cairo” e no recente “Um Dia de Chuva em Nova York”.
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