As Vinhas da Ira (The Grapes of Wrath – 1940)
O clã Joad está à procura de uma vida melhor na Califórnia. Depois que sua seca fazenda é apreendida pelo banco, a família, liderada pelo filho Tom (Henry Fonda) recém libertado condicionalmente, carrega um caminhão e vai para o Oeste. Na estrada, assolada por dificuldades, os Joad encontram dezenas de outras famílias que fazem o mesmo trajeto e têm o mesmo sonho.
Tom encontra em sua jornada de volta para casa, após a estadia de quatro anos na penitenciária, um caminhoneiro curioso e um pastor embriagado que rejeitou seu chamado religioso, almas perdidas, o segundo se recorda de ter outrora batizado o rapaz, antes de substituir a fé pela companhia romântica feminina. O futuro naquele momento é uma incógnita, a fazenda da família foi abandonada, a esperança empoeirada castiga a mente do filho pródigo enquanto descobre, por uma voz fraca escondida nas sombras, que sua mãe (Jane Darwell) precisou sair da propriedade semanas antes, deixando para trás 50 anos de pura dedicação àquele pedaço de chão.
O motivo? O progresso, ateando fogo no passado visando um reinício, construir um “novo normal” defendendo que a felicidade não está atrelada ao sentimento de posse (óbvio, por interesse próprio, pois facilita o controle), homens cumprindo ordens cruéis, novos donos da terra, desrespeitando tradições e crenças religiosas dos dispensáveis, cada trator despejava 15 famílias, destruindo cercas e sonhos, produzindo lágrimas que secavam rapidamente nos rostos sofridos. Vidas preciosas, lembranças ternas e tristes, festivos reencontros, amargas despedidas, páginas de rica experiência escritas por décadas no terreno em que, sem questionamento, arrancam dos trabalhadores.
O intenso drama humano da obra de John Steinbeck foi captado com sensibilidade no roteiro de Nunnally Johnson, com a fotografia de Gregg Toland realçando a melancolia constante, nesta produção elegante de Darryl F. Zanuck, dirigida pelo grande John Ford. Uma opção inteligente foi alterar a ordem de acontecimentos, entregando um desfecho diferente do livro para a família Joad, mais esperançoso, sintonizado com a simbologia da mensagem principal do filme.
“Eu nunca mais vou ter medo. Por um tempo, parecia que estávamos derrotados. Parecia que não tínhamos ninguém em todo o mundo além de inimigos. Como se ninguém mais fosse amigável. Isto me fez sentir mal, como se estivéssemos perdidos e ninguém se importasse. Os ricos aparecem e morrem, e seus filhos morrem também, mas continuamos brotando. Nós somos aqueles que vivem. Eles não podem nos eliminar, continuaremos eternamente, porque somos o povo.”
Os donos do mundo sempre utilizaram o medo como ferramenta de controle, inventam crises para movimentar as peças no tabuleiro, financiando inclusive os conflitos de classes, a massa serve apenas para erigir os tronos dourados daqueles que seguram firmemente o chicote. Questionar é errado, ato passível de punição, mas o que os poderosos falham em compreender é que, apesar de tudo, o povo segue atravessando o oceano de incertezas, ainda que com botes esburacados e sem remos, ele avança, apegado à fé e a esperança que a alimenta, acreditando que algum dia, algum belo dia, estes que se consideram tão grandes, caiam miseravelmente prejudicados por suas próprias mentiras, desmascarados e humilhados, o mal exposto sem filtro, para nunca mais ousar retornar. A liberdade então será uma realidade tangível, não apenas um conceito subjetivo, manipulado por interesses escusos.
“As Vinhas da Ira” é simplesmente um dos melhores filmes da década de 40, uma pérola que merece ser redescoberta pela nova geração de cinéfilos apaixonados.
* Você encontra o filme em DVD e, claro, facilmente garimpando na internet.