Eu fui uma criança extremamente introvertida, passava a maior parte do tempo trancado no quarto lendo e assistindo aos filmes no maravilhoso formato VHS. A minha diversão era organizar minha coleção, formada principalmente por fitas que gravava de exibições televisivas, tomando o cuidado de pausar nos vários intervalos comerciais, preparar capas elegantes utilizando recortes das revistas de cinema, e, claro, rever aquelas pérolas várias vezes.
No momento em que meu pai me apresentou a possibilidade de, com dois aparelhos, copiar os filmes, minha cabeça explodiu, a coleção aumentou absurdamente, caçava as pérolas raras e entrava de sócio em estabelecimentos em bairros longínquos só para enriquecer minha coleção.
Ao final da gravação em velocidade EP, para caber mais filmes na fita, adicionava os títulos no catálogo, leia-se, um caderno de escola carinhosamente customizado no tema, na frente, Peter O’Toole em “Lawrence da Arábia”, no verso, Charles Chaplin. Eu mostrava orgulhoso minha coleção para todos os familiares e amigos que nos visitavam, mas ninguém entendia bem, achavam estranho um menino tão novo valorizando aquele material.
O meu amor por esta arte não foi forjado nas salas escuras dos cinemas de rua, nestes templos de cultura nasceu o fascínio pelo ritual, o deslumbramento pela magia da tela grande, mas a minha devoção de estudante apaixonado foi despertada nas locadoras de vídeo, principalmente na “RG Vídeo”, que ficava em Vila Isabel (RJ), do amigo Ricardo, ainda sonho frequentemente com a emoção que sentia ao garimpar naquelas prateleiras coloridas, torcendo para encontrar as fichinhas em formato de T nos estojos dos títulos desejados, o que significava que eles estavam disponíveis na loja.
Eu ficava admirando as capas por vários minutos, lendo as sinopses, imaginando as cenas pelas fotos, mas infelizmente não podia levar elas para casa, pegava a fichinha, trocava ela pela fita em estojo preto no balcão.
Algo que a garotada de hoje, acostumada com a praticidade das plataformas de streaming, jamais vai entender, como era gostoso chegar em casa com a sacola pesada de estojos e decidir quais seriam os filmes da noite.
A questão do tempo limitado agregava ainda mais valor à experiência. Nas plataformas, você fica decidindo por horas e acaba não vendo nada. Naquela época, apreciar cinema em casa era um espetáculo especial. Se o aluguel era no final de semana, funcionava mais ou menos assim na minha casa, 2 fitas na sexta de noite, no sábado, passeio de manhã com meus pais, 1 fita de tarde, mais 2 de noite, e, no domingo, normalmente era o dia de rever alguma delas e, mais para o final da noite, já chateado por saber que na manhã seguinte eu tinha que acordar cedo e ir para a escola, a família se reunia para assistir ao último filme. No dia seguinte, com todas devidamente rebobinadas, retornava à locadora para devolver o tesouro.
A seleção de títulos era muito diversificada, o meu gosto sempre foi eclético, quase sempre levava um de cada gênero, terror, romance, suspense, drama, policial e comédia, a mistura de emoções que tornava a vida mais agradável. O curioso é que eu era uma criança estranha, não curtia alugar desenhos animados, nem filmes infantis, que considerava bobinhos demais. Eu sempre digo que nasci com 80 anos de idade.
E, vale ressaltar, não era só o filme que importava, a experiência contava também pelas preliminares, leia-se, as vinhetas das distribuidoras, os trailers (por vezes, mais de quinze minutos, jamais se apertava o FF nestes momentos) e alguns bônus que ajudavam a dar o tom, como o Comercial da Pousada do Sandi. Quando criança, de tanto que eu via esta divulgação nas fitas, eu sonhava em visitar este local paradisíaco. Disneylândia? Beto Carrero World? Que nada, os pequenos cinéfilos de outrora desejavam mesmo era relaxar na Pousada do Sandi.
Outro bônus que acompanhava várias fitas era a longa vinheta protagonizada pela linda Doris Giesse, que, na minha mente, sempre me remetia à Brigitte Nielsen. Ah, a elegância dela ao avisar que era crime copiar as fitas.
Naqueles minutos, eu, menino tímido, ficava me sentindo um perigoso delinquente, mas o remorso sumia ao pensar no prazer de saber que, mesmo sem grana, a minha coleção ficava cada vez melhor. Aprendam, jovens, se é para cometer algum crime na vida, que seja o de querer ter mais cultura. Se todos os criminosos no Brasil tivessem este desejo, este país seria a Dinamarca.
Na época de pré-adolescente, quando eu fazia uma visita às cegas na locadora, sem nenhum filme específico em mente, eu seguia alguns rituais, por exemplo: se o título tinha a palavra “obsessão”, eu já puxava a fichinha, a diversão era garantida.
Quando havia um grupo expressivo se acotovelando em alguma seção, eu entendia que não devia significar coisa boa, a quantidade de bobagens que eram lançadas para suprir a demanda não era pouca, eu preferia a tranquilidade das seções de clássicos em preto e branco.
A gente se guiava muito também pelo elenco, Charles Bronson, Charlton Heston, Clint Eastwood, Sylvester Stallone, Mel Gibson, Tom Cruise, Arnold Schwarzenegger, Jean-Claude Van Damme, Bruce Willis, Chuck Norris, eu não precisava nem saber do que se tratava, carregava para casa tudo que encontrava com eles na capa.
Uma coisa que acontecia com frequência, muitos achavam chato, mas eu adorava: aguardar na locadora a devolução da fita de algum lançamento que havia sido sucesso de bilheteria, por exemplo, “Jurassic Park”, “Batman – O Retorno”, “O Vingador do Futuro”, “Atração Fatal”, “Robocop – O Policial do Futuro”, estes não paravam nas prateleiras.
O atendente afirmava que a fita estava programada para ser devolvida naquela noite, logo, meu pai ficava batendo papo com o dono, enquanto eu passeava pela loja lendo todas as sinopses e admirando as artes das capas. Não era pouco tempo que esperávamos, por vezes, mais de 2 horas, e, pior, nem sempre o cliente realmente comparecia no estabelecimento, mas eu nunca considerava viagem perdida, amava cada segundo naquele local.
Algumas fitas, de tanto que eu alugava, consegui comprar diretamente com o dono, meu pai conversava com ele, enquanto eu, caprichando na cara de triste, aguardava ao lado. Às vezes dava certo, noutras eu saía de mãos vazias, mas eu seguia tentando. O caso é que filmes em VHS oficiais eram caros, o que trazia um brilho no olhar era quando algum jornal ou revista encartava alguma pérola naquelas coleções de qualidade questionável, fitas gravadas em velocidade LP, ou quando a CIC Vídeo começou a lançar ótimos títulos para venda direta por preços acessíveis.
Uma experiência que guardo com muito carinho na lembrança é aguardar ansioso as fitas da coleção 007, lançada pela Caras em meados da década de 90, que comprava no amigo jornaleiro Paulinho, que ficava do lado da escola. Eu passava a manhã inteira angustiado, tolerando as matérias, querendo deslacrar o conteúdo imprensado entre os livros escolares na mochila, daí, quando chegava em casa, antes mesmo de almoçar já colocava a fita no aparelho. Eu revia o filme várias vezes nas semanas seguintes, memorizava os diálogos, na expectativa da próxima aventura.
O período mágico começou a perder fôlego quando chegou no Brasil a rede Blockbuster, em 1995. Se, por um lado, a praticidade de ter várias cópias de um mesmo título era positiva, o modo de se lidar com os clientes mudou, não havia mais aquela sensação de se sentir em casa, conversar com os atendentes, fazer amigos, o processo se tornou mecânico, ágil, indiferente. Como a quantidade de funcionários era maior, o tempo nas filas era curto, o elemento da antecipação, a ansiedade, aqueles papos sobre cinema com estranhos, algo tão bacana, já não existia mais.
Anos depois, já na época da faculdade, com as locadoras de rua acabando, o meu prazer era garimpar as fitas VHS no Mercado Popular da Uruguaiana (RJ), as bancas ficavam lotadas de títulos empilhados, uma bagunça maravilhosa, nunca vou me esquecer da emoção que senti ao encontrar numa destas manhãs o clássico “O Massacre da Serra Elétrica”.
Finalizo o texto com um pedido especial, caso você esteja se desfazendo de seus filmes em VHS, naquelas edições de locadora, ou caso goste do meu trabalho e queira me presentear, eu tenho interesse nas fitas, infelizmente perdi muitas ao longo dos anos, consegui preservar algo em torno de 130 títulos, que revejo com frequência em 2 aparelhos de 7 cabeças bem conservados.
Apesar de ter os mesmos filmes em outros formatos, como o DVD e o Blu-ray, tecnicamente superiores, nada se compara ao que sinto quando coloco o VHS para rodar, uma viagem no tempo que sempre me emociona. Caso queira me enviar as fitas, entre em contato nos comentários, ficarei MUITO feliz.
Meu amigo vivi essa época é passava horas com meu marido garimpando os filmes que eram os nossos preferidos para reve–los .Bons tempos !
Adoro suas postagens, continue a nós alegrar!
Obrigada!