No “Pequeno Grande Momento”, a nova seção do “Devo Tudo ao Cinema”, a intenção não é entregar uma longa análise crítica, algo que toma bastante tempo, mas sim, estimular a compreensão do simbolismo em cenas aparentemente irrelevantes, menores. O formato permite que mais material seja produzido, já que os textos são curtos e despretensiosos.
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Rocky Balboa (2006)
Aposentado, Rocky trabalha em um restaurante e lamenta a perda de sua amada mulher, Adrian. Com saudade de seus dias de glória, ele pretende voltar ao ringue e aceita o desafio de lutar contra o atual campeão mundial dos pesos pesados, Mason Dixon.
Eu frequentemente utilizava este exemplo nas minhas palestras sobre cinema, a reação do público era sempre a mesma, ninguém lembrava desta cena, talvez porque a maioria não espera algo tão filosoficamente bonito em um filme sobre pugilismo.
Quando se escreve sobre esta pérola, o usual é celebrar o lindo sermão de pai para filho na calçada, texto maravilhoso de Stallone, algo pensado para ser impactante, emocionalmente forte, mas a imagem que considero mais brilhante é sutil, simples, um registro comum que foi transformado conscientemente na pós-produção em algo sublime, transcendental, pleno em simbolismo.
Um breve contexto, Rocky (Sylvester Stallone) perdeu a razão de sua existência, a sua amada Adrian (Talia Shire), o elemento mais importante desde o filme original, de 1976, o falecimento dela quebrou sua alma, ele é apresentado neste projeto como um andarilho melancólico, amargurado, perdido nas memórias, buscando resgatar sua autoconfiança nos locais que testemunharam outrora sua glória, sempre acompanhado do velho amigo Paulie (Burt Young), que tenta sem sucesso quebrar este padrão destrutivo.
O inesperado desafio no ringue é a oportunidade perfeita para o personagem provar para o mundo e, principalmente, para ele mesmo, que ainda está vivo, e, por conseguinte, que sua esposa ainda vive.
Os fãs da franquia sabem que ela foi fundamental em todas as tramas, sempre que ele está pensando em desistir, Adrian, ainda que tímida, discreta, vence suas limitações e redireciona positivamente o caminho do marido. Rocky sofre também por saber que ela não sentiria orgulho de suas escolhas recentes, ele se sente envergonhado por ter ficado desorientado, logo, a luta representa muito mais do que vaidade, o que está em jogo é também o legado de Adrian.
Os dois guerreiros resistem bravamente até o fim, Mason vence por pontos, mas Rocky conquistou seu objetivo, a bela mensagem do filme original se repete. Ele não está mais amargurado, todos se orgulham de sua atitude, e, mais que isto, o público presente não está interessado no campeão, eles viram as costas para o ringue, aplaudem e gritam sorridentes o nome daquele que caminha tranquilo, com o rosto expressando serenidade, amparado carinhosamente pelo filho, de volta para a sua vida.
Rocky, modesto, já se preparava para abandonar o ambiente, quando Paulie e seu filho empurram ele novamente para os braços dos fãs. Neste emocionante momento, Stallone insinua a resolução da mensagem, levantando o braço, olhando para o alto e apontando para o céu, dedicando silenciosamente a vitória à Adrian, mas não é o suficiente.
Após alguns segundos em que ele absorve o amor do público, seu corpo se direciona finalmente para a saída, daí, a iluminação branca se intensifica evidenciando um braço estendido que o aguardava.
O posicionamento do braço no enquadramento (como se viesse do céu) não deixa dúvidas, as mãos se tocam firmemente e não se soltam, a imagem congela, ocorre então uma transição com fusão para Rocky visitando com flores o túmulo de sua esposa.
A simbologia deste breve momento sempre me emociona.