O Espião Que Saiu do Frio (The Spy Who Came in from the Cold – 1965)
Durante a Guerra Fria, o espião britânico Alec Leamas (Richard Burton) é enviado à Alemanha Oriental para servir como agente duplo. Mas à medida que ele avança no círculo de espionagem alemão, começa a suspeitar que está sendo manipulado pelos companheiros.
O livro original de John Le Carré, na edição de capa branca, da coleção “Grandes Sucessos”, da Abril Cultural, fez parte da minha infância, pegava frequentemente na estante, tentava ler, mas só fui realmente aproveitar a experiência plenamente na adolescência, quando levei na mochila para me fazer companhia na hora do recreio da escola.
Eu reli recentemente e, para a minha surpresa, gostei ainda mais, o livro é verdadeiramente um page-turner, terminei as primeiras 100 páginas nas primeiras horas da manhã e devorei o restante no final do dia. O autor ainda trabalhava na época para o MI6 como oficial de inteligência, logo, a autenticidade na abordagem do tema da espionagem é palpável, por conseguinte, há real senso de perigo. E, sim, os diálogos contribuem mais neste sentido do que qualquer sequência de ação.
“- (sobre a mentalidade esquerdista) Esta ideologia justifica o roubo de vidas humanas? Justifica a bomba num restaurante cheio de gente?…
– Para nós sim, eu próprio mandaria pôr uma bomba num restaurante se soubesse que isso nos permitiria avançar na estrada que percorremos. Depois faria o balanço: tantas mulheres, tantas crianças e tantos metros de avanço na estrada. Mas os cristãos – e a sua, Leamas, é uma sociedade de cristãos – não fariam tal balanço… Vocês acreditam na santidade da vida humana, acreditam que todos os homens possuem uma alma que pode ser salva, acreditam no sacrifício.” (Trecho do capítulo 13 da obra)
A adaptação cinematográfica, dirigida com extrema segurança por Martin Ritt, roteirizada por Paul Dehn e Guy Trosper, é bastante fiel em letra e espírito, auxiliada pela entrega sempre competente de Richard Burton e pela fotografia de Oswald Morris que, realçando os tons de cinza da amoralidade neste jogo sujo, capta com precisão cirúrgica o tom deste denso thriller.
O desafio da obra era facilitar para o espectador a imersão emocional, impedir que a trama complicada, envolvendo personagens que você não consegue definir se são leais, já que não se sabe exatamente para qual lado trabalham, causasse repulsa ao invés de fascínio. Graças ao desempenho de Burton, inteligentemente minimalista, o esforço é bem-sucedido.
“O que diabos você acha que são os espiões? Filósofos morais medindo tudo o que fazem contra a palavra de Deus ou Karl Marx? Nada disto! Eles são apenas um bando de bastardos miseráveis e esquálidos como eu: homenzinhos, bêbados, maridos dominadores, funcionários públicos brincando de cowboys e índios para alegrar suas vidinhas podres. Você acha que eles se sentam como monges, equilibrando o certo contra o errado?”
“O Espião Que Saiu do Frio” é simplesmente um dos filmes mais importantes da década de 60.
- O filme não está em plataformas de streaming, mas você encontra com facilidade garimpando na internet.
Trilha sonora composta por Sol Kaplan: