No “Dica do DTC”, a nova seção do “Devo Tudo ao Cinema”, a intenção não é entregar uma longa análise crítica, algo que toma bastante tempo, mas sim, uma espécie de drops cultural, estimulando o seu garimpo (lembrando que só serão abordados filmes que você encontra com facilidade em DVD, streaming ou na internet). O formato permite que mais material seja produzido, já que os textos são curtos e despretensiosos.
***
Stella Maris – 1918
Stella Maris (Mary Pickford) é uma bela moça deficiente física que é cuidada por uma família rica. Eles procuram protegê-la da dura realidade do mundo.
Albert Einstein acreditava que a curiosidade é mais importante que o conhecimento. Eu concordo plenamente, sem ela, você provavelmente atravessará a breve experiência da vida nadando no raso, preocupado apenas com o status ilusório dos diplomas na parede, o resultado do esforço de memorização nas datas das provas, acumulando frustração na tentativa constante de obter reconhecimento pelo “ter”, nunca pelo “ser”, até que os olhos não se abram mais.
Hoje vivemos um período lastimável, nunca o QI dos alfabetizados brasileiros foi tão baixo, abandonaram o hábito da leitura, exercício mental fundamental (além de ser algo extremamente prazeroso), logo, não conseguem mais pensar, o raciocínio lógico virou artefato empoeirado de museu.
Você, por exemplo, escreve de forma clara no título de uma postagem: “Robert Powell na excelente minissérie Jesus de Nazaré, de 1977“, e, nos comentários, vai encontrar adultos diplomados e inseridos na sociedade soltando pérolas como: “Eu acho que o nome deste filme é Jesus de Nazaré…” (não me diga…), “Não é minissérie, isto é um filme” (no texto, que a pessoa obviamente não leu, explico que a minissérie foi editada para ser lançada nas salas de cinema), “Alguém sabe se este ator ainda está vivo?” (conhece o Google? É aquela ferramenta que você utiliza quando realmente quer saber algo que considera importante, como o resultado do paredão do BBB), “Gente, estou procurando desesperadamente há anos este filme para assistir e não encontro!” (eu perdi cinco segundos buscando o título no Youtube, encontrei ele completo, dublado e legendado, com imagem remasterizada), “Alguém pode me informar em qual ano este filme foi lançado?” (você leu o título da postagem?), “Não sei, posso até estar enganado, mas este aí não é o Robert Powell?” (hmmm… será?)
Não estou exagerando, apenas retirei das frases os erros ortográficos, trabalhar com cultura é verdadeiramente angustiante, eu passei acima apenas um exemplo, para cada pessoa carinhosa, curiosa e dedicada, existem cinquenta deselegantes reclamando das propagandas entre os parágrafos, leia-se, simplesmente a fonte de renda do escritor.
Eu preciso informar que depender dos cliques do público para ler meus textos garante uma renda diária de centavos? Vale salientar que estes que reclamam são os mesmos que somem quando eu divulgo a opção de PIX, para quem quiser apoiar com qualquer valor o meu trabalho. Sim, eles também querem que eu trabalhe sem remuneração alguma.
Aproveitando o ensejo, caso você tenha se compadecido com o meu desabafo:
PIX: 21 – 99508 2273 (Teresa Cristina, esposa e coprodutora dos curtas)
E, apesar de tudo isto, lá vou eu novamente pregar no deserto, indicar uma obra importante da era silenciosa do cinema, consciente de que a postagem será pouco acessada, já que ninguém se importa com a preservação da memória cultural. É ou não é uma missão de vida?
Se você leu os meus livros, “Devo Tudo ao Cinema” (2013) e “A Arte do Guerreiro Lúcido” (2017), ou acompanha o meu trabalho desde o meu início profissional como crítico de cinema em 2008, sabe como fui fascinado desde criança pelo trabalho da canadense Mary Pickford.
Não era fácil encontrar seus filmes na época do garimpo nas locadoras de vídeo, muitos títulos foram perdidos, mas você consegue compreender o sucesso dela na época quando presta atenção no material que sobreviveu até hoje, pérolas como o intensamente emocionante “Aves Sem Ninho” (1926), “Meu Único Amor” (1927), o incrível “A Pequena Americana” (1917) e, talvez o seu momento mais inspirado, “Stella Maris” (1918). Não é apenas carisma, ela exalava uma segurança incomum, inteligência criativa fora da curva e precioso apreço pelo desafio.
O roteiro, escrito pela renomada Frances Marion, baseado no livro homônimo de William John Locke se mostrava um terreno fértil para a atriz provar seu talento, já que viveria duas personagens totalmente diferentes, Stella, uma deficiente física superprotegida, e Unity, uma órfã que lida diariamente com a maldade em suas diversas formas.
A direção firme de Marshall Neilan evita que o melodrama se torne um obstáculo, conduzindo o espectador à reflexões existenciais inesperadas, principalmente a partir do momento em que Stella passa por uma cirurgia e enfrenta finalmente o mundo real.
“Não tenho mais pena dos cegos! Eles não enxergam a feiura da vida.” (Stella)
- Você encontra o filme com facilidade garimpando na internet.