No “Dica do DTC”, a nova seção do “Devo Tudo ao Cinema”, a intenção não é entregar uma longa análise crítica, algo que toma bastante tempo, mas sim, uma espécie de drops cultural, estimulando o seu garimpo (lembrando que só serão abordados filmes que você encontra com facilidade em DVD, streaming ou na internet). O formato permite que mais material seja produzido, já que os textos são curtos e despretensiosos.
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A Besta Deve Morrer (Que la Bête Meure – 1969)
Charles Thenier (Michel Duchaussoy) quer se vingar da morte de seu único filho, atropelado por um motorista que fugiu. Ele se passa por roteirista de cinema para se aproximar de uma atriz que estava no carro e está preparado para seu acerto de contas.
O saudoso Claude Chabrol se tornou mundialmente conhecido como parte do grupo de jovens críticos franceses que tentavam revitalizar a indústria de seu país com a Nouvelle Vague, mas, exatamente por ser o único que exibia sem pudor as suas raízes afetivas na era de ouro, capitaneada por mestres como Henri-Georges Clouzot, René Clair e Julien Duvivier, sem o exagero experimentalista de seus colegas, produziu pérolas que sobreviveram melhor ao teste do tempo, como “Mulheres Diabólicas” (1995), “Trágica Separação” (1970), “O Açougueiro” (1970) e “A Besta Deve Morrer”, que só melhora a cada revisão.
Ao ler a sinopse, pode-se acreditar estar diante de um convencional thriller de vingança, mas quem já está familiarizado com o estilo do diretor sabe que o roteiro brilhante de Paul Gégauff utiliza com esperteza o elemento do suspense como veículo para desferir críticas à sociedade. A estrutura remete aos livros criminais psicológicos da Patricia Highsmith, mas também carrega o espírito do livro homônimo do irlandês Cecil Day-Lewis (sim, pai do ator Daniel Day-Lewis), publicado em 1938.
A forma como a história se desenvolve é surpreendente, o protagonista não quer apenas punir o culpado pela sua desgraça, ele se envolve com a família do vaidoso monstro, vivido por Jean Yanne, ganha a admiração do filho dele, por conseguinte, elabora um plano que intenciona extirpar qualquer traço de humanidade que havia naquele indivíduo.
E, claro, quando tudo parecia estar resolvido, Chabrol insere reviravoltas que sugerem ao público que seu interesse real está na discussão sobre a responsabilidade moral da vingança.
Um tesouro que verdadeiramente merece ser redescoberto.
- Você encontra o filme em DVD e, claro, garimpando na internet.