Caminhando nas Nuvens (A Walk in the Clouds – 1995)
Depois da guerra, Paul (Keanu Reeves) retorna ao seu trabalho de vender chocolates. Durante viagem de negócios, ele conhece Victoria (Aitana Sánchez-Gijón), herdeira de um vinhedo, que está grávida. Ela propõe a Paul que se passe por seu marido para agradar a família, mas ele já é casado.
A pérola original italiana, “O Coração Manda” (Quattro Passi fra le Nuvole – 1942), dirigida por Alessandro Blasetti, com Gino Cervi e Adriana Benetti, foi abraçada carinhosamente pelo público e aplaudida de pé pela crítica, um tesouro que você consegue encontrar garimpando na internet.
A obra foi refilmada algumas vezes, inclusive tornou-se veículo para o comediante francês Fernandel, em “Marido Sob Protesto” (Era di Venerdì 17 – 1956), mas a versão mais lembrada da história hoje é “Caminhando nas Nuvens”, dirigida pelo mexicano Alfonso Arau, com a fotografia elegante de Emmanuel Lubezki e uma trilha sonora apaixonante composta pelo mestre Maurice Jarre.
O roteiro, assinado por Robert Mark Kamen, Mark Miller e Harvey Weitzman, extraiu a essência romântica do material italiano, minimizando a comédia e injetando sensibilidade à flor da pele. As belíssimas locações, como as vinícolas de Napa Valley, ajudam muito neste sentido, não é difícil para o espectador rapidamente se transportar para a realidade dos personagens.
O resultado também é favorecido pela entrega inspirada do elenco, com nomes como Keanu Reeves, Aitana Sánchez-Gijón, Giancarlo Giannini e, em momento especialmente enternecedor, o grande Anthony Quinn.
Um romance puro, leve, delicado, envolvente, que cativa principalmente por sua abordagem sincera, direta, conduzido com serenidade e segurança, uma postura artística que se perdeu no cinema atual.
A mensagem mais bonita da trama evoca valores que estão sendo atacados hoje num mundo que dança na beira do abismo totalitário, como a força dos tradicionais laços familiares, elemento que, por mais disfuncional que seja, resiste às piores tragédias.
“As roupas são como uma família. Você tem que viver com ela por um tempo antes de ter o ajuste perfeito.”
Paul chega da guerra e se choca ao conhecer o real caráter torto de sua esposa, vivida por Debra Messing, que parece ter sofrido pouco com sua ausência, já que nem se importou em ler as muitas cartas que ele a enviou no período.
Ele deseja explorar as possibilidades profissionais, mas é incentivado pela jovem a seguir viajando vendendo chocolates, ela obviamente prefere que ele se ausente o máximo possível. E, durante uma viagem de trem, a bagagem da belíssima Victoria, como num conto de fadas, desaba nos pés do rapaz, que prontamente se dispõe a ajudar.
Um toque brilhante em simbologia ocorre neste pequeno momento. Victoria, ao perceber que, na queda, o vidro na moldura da foto familiar trincou, esboça profunda preocupação. Paul, sem pensar duas vezes, afirma com tranquilidade: “é só vidro, pode trocar”.
Ele havia acabado de ter seu coração destroçado pela frieza da esposa, logo, o conceito de família que ele tanto prezava foi abalado, a cena evidencia isto com sutileza, para ele, naquele momento, aquilo era apenas uma moldura descartável.
Os horrores da guerra não foram capazes de quebrar seu espírito, mas a constatação de que sua amada desprezou seu carinho era uma cicatriz socialmente indisfarçável. O tratamento inesperado viria com o convívio dele com a família de Victoria no vinhedo Las Nubes (as nuvens).
Apresentado como o marido dela, num gesto nobre de proteção da honra da garota, ele vivenciará o núcleo familiar em seus bons e maus momentos, testemunhará conflitos e aprenderá muito sobre a vida com Don Pedro Aragón (Quinn), avô de Victoria.
Paul não se tornará um homem melhor com a experiência, ele será reconstituído à sua pureza original pela mágica do amor, ele terá sua confiança no potencial humano para o bem restabelecido enquanto é aceito como membro daquela família, ele celebrará o fortalecimento de suas raízes.
“Caminhando nas Nuvens” merece ser redescoberto pela nova geração, tão carente de romantismo.
Trilha sonora composta pelo saudoso mestre Maurice Jarre: