Coração Valente (Braveheart – 1995)
A história de um herói escocês do século 13, chamado William Wallace (Mel Gibson), que lidera seus conterrâneos contra o monarca inglês Edward I (Patrick McGoohan), após ter sofrido uma tragédia pessoal causada pelos soldados ingleses. O exército amador de Wallace foi maior que o exército da Inglaterra.
Eu vivi intensamente a primeira metade da década de 90, um pré-adolescente apaixonado por cinema, tudo era mágico, lindo, não havia internet, nem mesmo TV a cabo, apenas livros, quadrinhos e revistas que divulgavam os lançamentos em VHS nas locadoras de vídeo.
A fita dupla desta pérola de Mel Gibson causou alvoroço na RG Vídeo, de Vila Isabel, o meu pai conseguiu alugar no final de semana em que chegou por pura sorte, naquela noite estávamos lá passeando pelas seções, voltei feliz para casa, com os estojos pretos, pronto para apreciar a obra na televisão alugada de 16 polegadas.
Um momento que guardo com carinho na memória envolve “Coração Valente”, alguns anos depois deste primeiro contato, durante uma exibição televisiva vespertina em um domingo tranquilo, na casa dos meus avós maternos, na região serrana.
Uma época sem telefones celulares, sem laptops, lá não havia nem computador de mesa, apenas o som maravilhoso dos pássaros e dos passos no chão. Aquele frio agradável, o meu clima favorito, meus pais, tios e primos, confortavelmente sentados na sala, assistindo ao filme com atenção quase religiosa. Uma tarde inteira de pura emoção, os olhos lacrimosos de todos nas sequências mais impactantes, eu aguardava ansioso a reação que algumas cenas causariam nos parentes que não tinham vivido ainda aquela experiência.
Ao final da sessão, as lágrimas rolavam pelos rostos vermelhos, a imersão, apesar da interrupção dos intervalos comerciais, parecia mais forte do que nas salas escuras, a simbologia da liberdade, a mensagem principal tocava forte nos corações, como se, por algum motivo inexplicável, inconscientemente enxergássemos no horizonte uma ameaça, um teste no porvir que colocasse em risco a realidade que parecia garantida.
Hoje, creio que os lúcidos pelo mundo estão cientes do material que o sistema está lutando tanto para bloquear, falar a verdade se tornou o caminho mais rápido para a punição, os adultos irresponsavelmente brincaram de “mestre mandou”, aceitando regras ilógicas e danosas pensadas por psicopatas, e, por falta de conhecimento e preguiçosa submissão, a inestimável liberdade pereceu durante a execução de um dos esquemas mais monstruosos da história moderna.
Eu vivi, nos meus 40 anos de vida, a ascensão e a queda humilhante da liberdade, ela, como afirmava Ronald Reagan, efetivamente nunca está a mais de uma geração distante da extinção. A evolução da tecnologia, neste contexto, serve apenas para fortalecer os grilhões, reduzir as rotas de fuga. A garotada, estimulada a nunca raciocinar e com prazo de validade curto, não vai nem saber que existiu uma época em que se podia discutir abertamente qualquer assunto, em que se podia questionar tudo e todos, em que o Juramento de Hipócrates era respeitado.
O futuro aceitável, digno, está nas mãos dos poucos que rejeitam absolutamente as mentiras, a manipulação orwelliana, a esperança está na coragem de cada indivíduo física e mentalmente saudável que decide começar a pensar por si próprio.
A beleza daquela tarde perdida no tempo representa um mundo que já não existe mais, famílias reunidas e se emocionando juntas assistindo ao filme, comentando sobre ele no jantar, olhos nos olhos, lindos valores celebrados, noções como honra e integridade sendo aplaudidas por adultos e crianças.
Eu convido você a retornar comigo nos próximos parágrafos àquele período, esqueça por alguns minutos a degradação moral que domina hoje a sociedade, ouse sonhar com o revide dos justos, o fim da dor, o retorno da inteligência, esta atitude ainda é possível e só depende de você. E, quem sabe, ao terminar estas linhas, você não compreenda ainda mais o poder da simbologia por trás da inesquecível cena do sacrifício do personagem William Wallace?
O protagonista está lutando para se manter vivo, a tortura provoca dores lancinantes, o seu executor deseja a humilhação extrema, a aniquilação do corpo e do espírito daquele transgressor, ele quer apagar da mente do povo a imagem de valentia que ele representa. Ele escuta a voz sussurrante de seu algoz incitando-o à implorar por misericórdia, uma simples palavra que pode significar a liberação imediata do castigo, o descanso da carne, o mel da vida.
A plateia hostil, que buscava no momento o extravasamento eufórico de uma existência pobre em todos os sentidos, começa a perceber nos gemidos da vítima uma resistência inédita. Aquilo era possível? Que atrevimento! A estranheza logo se transforma em compaixão por parte de alguns, mudança que evidentemente incomoda o magistrado real, que sente a necessidade de apressar o processo.
O monarca cruel se mantinha inconsciente, carregando o peso de seus atos. O traidor, o peso de sua culpa. A bela princesa, na solidão de seus aposentos, chorava a eliminação iminente de um homem bom. Os fiéis companheiros, acompanhando de perto, oravam para que ele abaixasse a guarda e se livrasse do pior.
Wallace aparenta querer falar algo, o algoz sente alívio e prepara o tão aguardado momento, em seu rosto brota a arrogância. E aquele corpo destruído reúne forças para berrar: LIBERDADE!
A montagem poeticamente mostra que o som de seu brado desperta o monarca amedrontado, reforça a admiração de seus amigos, traz resignação ao coração da princesa apaixonada e, principalmente, deixa em estado de choque o povo encoleirado. O magistrado se entristece ao sinalizar o desfecho da operação porque sabe que perdeu miseravelmente, ainda que elimine o corpo de seu inimigo, ele jamais conseguirá retirar da mente dos presentes a inquebrantável coragem adquirida naquele dia. A queda do sistema cruel viria inevitavelmente.
Wallace finalmente descansa, e, neste exato segundo, ele reconhece o rosto de sua falecida amada na multidão, amparada por seus dois amigos, caminhando em sua direção. O leve sorriso dela, quando a lâmina do carrasco interrompe a jornada gloriosa, evidencia tremendo orgulho, avalizando cada decisão difícil.
“Coração Valente” é um filme que só melhora a cada revisão, uma obra que se tornou hoje ainda mais importante e que pode servir como inspiração. A experiência da vida é breve, a liberdade não é algo que se conquista por “bom comportamento”, não pode se tornar uma recompensa pueril em um sistema de crédito social, caso você pense assim, sinto informar, mas você já está aprisionado.
O menino que se emocionava com este filme na década de 90 quer acreditar que é possível, que o mal não vai prevalecer. Reveja em família esta pérola, deixe as lágrimas escorrerem pelo rosto ao som da bela trilha sonora composta pelo saudoso James Horner, retome o controle de sua vida.
Emocione-se com este bonito vídeo emoldurado pela trilha sonora composta por James Horner: